sábado, 30 de abril de 2011

Evasão

A minha alma enjoava de mim quando você ligou convidando para acompanhá-la ao bar do pequeno Shopping. Aceitei antes de você terminar o convite. Era pois a oportunidade ideal para curar o tédio; ocasião adequada para evadir-me no meio de um punhado de gente feliz que eu sabia encontrar por lá. Um tributo a Elvis Presley, ídolo de juventude ainda lembrado pela minha incurável necessidade de romantismo. Caprichei no visual: jeans, correntes, aneis, pulseiras, acessórios que me reportavam a uma época cuja melancolia escondi no comportamento trágico de alguns poetas. Aproveitaria o momento sem evidenciar a dor, até porque não havia mais dor. Simplesmente esqueceria o eu nalgum canto escuro da consciência e, junto à multidão, cantaria e dançaria tão embriagada quanto uma bacante. Vinte e duas horas, o telefone chama, é minha amiga que espera na portaria. Ela, o marido e um amigo escritor – marxista. A festa estava animada. O espaço pequeno porém de atmosfera de aconchego e calor do burburinho enfumaçado e alegre. A maioria, como eu, usava roupas pretas, brilhantes, coladas, com as formas gorduchas e flácidas aparentes e risíveis. Os músicos, encharcados de baseado e conhaque barato, imitavam Elvis num virtuosismo carregado de cacoetes. Não perdi tempo, logo me deixei levar pela corrente de alegria que imperava. Não fazia quarenta minutos que esquecera de mim quando minha amiga, o marido e o amigo marxista disseram, com o grande enfado dos que não suportam a alegria, que iríamos embora. “Isso é uma miséria, vamos pra outro lugar”! “Oh, mas me divirto tanto! É tão bom ficar no meio dessa gente feliz!” “Feliz! Mas isso não passa de uma farsa, de uma dissimulação grotesca”, retrucou raivoso o marido já dando partida no carro. Sentada no banco de trás, agora em silêncio e de posse do meu eu, pude observar os três companheiros de noite sem deixar de sentir um profundo desprezo pelo tédio que faziam questão de ostentar como triunfo sobre a vulgaridade. O escritor, depois de profundo silêncio e muito refletir, disse duro e sem se mover do lugar: “ninguém esquece de si. Somos o tempo todo presa de nós mesmos.” Pensei que fosse sufocar diante daquelas palavras falsas e sem um mínimo de fantasia; diante daquele corpo redondo, pesado e com um quê de perversão gritando na pélvis feminina. Não conseguindo conter um outro eu que se manifestava malígno disse num tom falsamente amigável: “mas meu caro, só é capaz de esquecer o eu quem o adormece na evasão do sonho e da loucura. O seu, mesmo se quisesse, seria impossível. Você, sem saber, o afirma o tempo todo.”

Ana Barros

Um comentário:

  1. Os momentos e as situações, andam em conjunto ou em conflito conosco, mesmo quando tentamos sair ou entrar na cena. Pra mim o pior é quando o momento especial é destruído por um idiota!

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