quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Meu amor morto

Corria entre jovens de músculos rijos sem querer ser um deles. Sabia a inutilidade do esforço em encher a pele do cotovelo. Foi por ele que você adivinhou o meu tempo: “ – 37!” Não dei valor à evidência de seu interesse sobre a parte ignorada por mim por não conhecer outra ação senão articular movimento. Aliás, completava sem pressa a segunda volta ao longo da pista quando dei de cara com você [meu amor morto] no passo dos jovens de vigor. Tão perto que ouvi sua respiração cansada e ofegante de velho. A corcunda elevara-se sob a pele enrugada assim como a minha empinara sob a pressão da gota. Paramos diante um do outro e nos olhamos com incredulidade hipócrita. Você disse “olá menina...” com o riso cínico e o olho enviesado para meu braço encoberto. “Quando vamos tomar um café?”, perguntou antes que eu dissesse “olá...”.  “Esqueceu que não tomo café...”, pensei e respondi com o frio e vazio “a gente se fala...” e o deixei para trás bem atrás dos jovens corredores. Nem bem retomei a corrida um pneu velho rodou sobre os meus pés atrapalhando a marcha. Abaixei e afastei o obstáculo com as mãos e, sem pular sobre ele, desviei para o lado.

Ana Barros

Natal, 02/07/2015 (concluída em 05/10/17).