domingo, 24 de maio de 2015

FILHOS DE CAM



Para quem estuda o Velho Testamento não é nenhuma novidade conhecer a origem das nações segundo a tradição judaico-cristã. Mas para quem não segue religiões, tampouco lê ou se interessa por entender a existência humana através dos textos bíblicos, mas que se interessa pelo assunto, a arte é leitura e descoberta. Um exemplo da segunda escolha, diria, espontânea, aleatória, é o leitor curioso e apaixonado pela poesia de Rimbaud deparar-se com o inquietante poema Mau Sangue, de Uma Temporada no Inferno. É justamente em Rimbaud, que amou o sol da África e nele queimou-se para ficar ainda mais negro, pois já era de alma, que encontrei a mais bela metáfora para a origem das nações, ou melhor, de uma nação, a africana. No longo poema, o poeta faz dura crítica ao continente europeu – sua origem branca e colonizadora – e aos seus mandatários, "falsos negros": "Sim, tenho a vista fechada à vossa luz. Sou um animal, um negro. Mas posso ser salvo. Vós sois falsos negros, vós, maniáticos, irascíveis, avarentos. Comerciante, és negro; imperador, velha sarna, és negro: bebeste o vinho não tributado da fábrica de Satã. – Esta gente está inspirada pela febre e o câncer. Doentes e velhos são tão respeitáveis que pedem para ser fervidos. – O mais astuto é deixar este continente, onde a loucura corre para fornecer reféns a esses miseráveis. Entro no verdadeiro reino dos filhos de Cam". O verdadeiro reino dos filhos de Cam, ou Cão, é a África, povoada pelos descendentes do segundo dos três filhos de Noé – Sem, Cam e Jafé. O texto Origem das Nações, https://almalavada1.wordpress.com/2013/04/16/origem-das-nacoes/, faz menção a duas interpretações do personagem bíblico. A primeira, de um pastor evangélico a respeito da maldição de Noé contra Cam, condenando os descendentes deste à etnia negra, ou seja, a nação africana seria a punição do filho amaldiçoado. A segunda, nada a ver com cor de pele mas com outra discriminação, sugere que Cam, por ser homossexual e desejar ver seu pai nu,foi amaldiçoado por este. São inúmeras as versões e piadas criadas para explicar de forma pejorativa, senão criminosa (Ku Klux Kan), o princípio da vida de não brancos. Indiferente a todas, fico, pois, com a poesia de Rimbaud. Poesia da liberdade do além senso comum, pátria, moral, credo. Liberdade além-do-homem.

Ana Barros​  
Natal, 21 de maio de 2015.

Um comentário:

  1. Sem resenhas ou esse texto foi escrito por um ateu ou por uma pessoa que leu a biblia sem o minimo discernimento bíblico e estava com o coração cheio de mágoa!!1Poupe=nos.

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