sábado, 30 de maio de 2015

A ARMADILHA ATRÁS DA PORTA



Quase vinte anos. Moro na casinha romântica do Potengi, Zona Norte. A porta, amarelo cetim, ordinária, enfia-se facilmente a unha e logo faz morada o cupim. Jamais fecha à chave e à noite. Por ser desnivelada, tem uma fresta em cima e outra embaixo, mas é pintada. A cobertura é de telhas. Não tem grades nem muro alto e fica a menos de 100 metros do Caldeirão do Diabo, de onde todas as noites fogem presos sob chuva de balas cuja proximidade parecem vir do quintal escuro. Nos primeiros meses, assustada, meto-me debaixo da cama, trêmula, desamparada. Entretanto, com o passar do tempo e o convívio simpático no Bairro, sou indiferente ao zimmmm... dos rifles, ora da polícia, ora de fugitivos. Durmo tranquila com o meu Pedro Ivo pequeno. Jamais o serviço de vigilância, jamais latir de cachorro. Porém, carrego do sótão a armadilha infalível. Pois bem, antes de deitar penduro as vasilhas atrás da porta da cozinha. Quanto à porta da sala, que nunca fecha por ser emperrada e arrastar com barulho no piso gasto, dificulta a ação gatuna e sutil do visitante noturno. Este, tomado de desprezo ao perceber que a facilidade da porta encostada é sinal de que nada ali vale nada, a não ser para a dona da casa, diz: "merda!", cospe e vai embora.

Ana Barros
Natal, 30 de maio de 2015.

Foto: https://www.facebook.com/camacarifatosefotos

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