Quase vinte anos. Moro na casinha romântica do Potengi, Zona Norte. A
porta, amarelo cetim, ordinária, enfia-se facilmente a unha e logo faz morada o
cupim. Jamais fecha à chave e à noite. Por ser desnivelada, tem uma fresta em
cima e outra embaixo, mas é pintada. A cobertura é de telhas. Não tem grades
nem muro alto e fica a menos de 100 metros do Caldeirão do Diabo, de onde todas
as noites fogem presos sob chuva de balas cuja proximidade parecem vir do
quintal escuro. Nos primeiros meses, assustada, meto-me debaixo da cama,
trêmula, desamparada. Entretanto, com o passar do tempo e o convívio simpático
no Bairro, sou indiferente ao zimmmm... dos rifles, ora da polícia, ora de
fugitivos. Durmo tranquila com o meu Pedro Ivo pequeno. Jamais o serviço de
vigilância, jamais latir de cachorro. Porém, carrego do sótão a armadilha
infalível. Pois bem, antes de deitar penduro as vasilhas atrás da porta da
cozinha. Quanto à porta da sala, que nunca fecha por ser emperrada e arrastar
com barulho no piso gasto, dificulta a ação gatuna e sutil do visitante
noturno. Este, tomado de desprezo ao perceber que a facilidade da porta
encostada é sinal de que nada ali vale nada, a não ser para a dona da casa,
diz: "merda!", cospe e vai embora.
Ana Barros
Natal, 30 de maio de 2015.
Foto: https://www.facebook.com/camacarifatosefotos |
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