segunda-feira, 20 de outubro de 2014

AS SANDÁLIAS DE MARIA BONITA





Andar pelas ruas de Pipa (RN) e conversar com as pessoas do lugar é aventurar-se por histórias surpreendentes. Com seus moradores e empresários de diversos cantos do mundo a praia é, além de bela, motivo de encontro com o que ainda persiste das relações entre semelhantes, tão bem vivenciadas nas décadas de “paz e amor” dos hippies. E foi encantada com o alto astral de Pipa que me vi dentro da loja rústica Cajuína, do mineiro-paraibano Gustavo Soares. Bem humorado, culto e atencioso, Gustavo, que chegou na companhia dos pais em João Pessoa com dois anos de idade e por lá foi educado no mais elevado estilo sertanejo, sem se importar se eu ia comprar ou não, foi logo narrando a crônica sobre o primeiro artigo que me encheu os olhos. Abri uma grande mala de madeira displicentemente largada num canto da sala e tirei de lá o belo par de sandálias de couro colorido. “Nossa que lindas!”, disse já calçando. “São as sandálias de Maria Bonita”, observou o dono da loja. “Vou levá-las!” Não satisfeito apenas em vender o artigo, Gustavo fez questão de dar todas as informações sobre o grande artesão responsável pelo designer e produção das sandálias, Espedito Seleiro, de Nova Olinda, Cariri do Ceará. Espedito herdou o ofício do pai, Seu Raimundo, que teve como clientes famosos Lampião, Maria Bonita e seu bando. O velho artesão, cuja oficina estava sempre aberta às visitas dos cangaceiros, foi orientado pelo capitão Virgulino a confeccionar as sandálias totalmente quadradas, sem frente nem atrás para enganar os “macacos”, polícia, pois o artefato feito assim não deixava rastros na areia. Com o passar do tempo e o gosto da moda por motivos nordestinos, particularmente do cangaço, as sandálias passaram a ter mais definição dos pés. Mesmo assim, ainda continuam com o charme quadrado dos aventureiros mais encantadores do Brasil. Espedito também é o responsável pelo gibão, chapéu e outros acessórios de couro que tão bem vestiram Luiz Gonzaga e tantos vaqueiros da geração do rei do baião. Marcos Palmeira, no filme o Homem que Enganou o Diabo, aparece com o rico figurino do artesão do couro. Sinto um grande prazer em ser mais uma a usar as belas sandálias de Espedito Seleiro.

Ana Barros
Natal, 28 de agosto de 2014.


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