“Odeio os indiferentes.
Acredito que viver
significa tomar partido.
Indiferença é apatia,
parasitismo, covardia.
Não é vida.
Por isso, abomino os
indiferentes.
Desprezo os indiferentes,
também, porque me provocam
tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes.
Vivo, sou militante.
Por isso, detesto
quem não toma partido.
Odeio os indiferentes.”
Antonio
Gramsci
Tem vezes que a vergonha bate com
gosto na gente. Não a vergonha moral da culpa e castigo. Mas a vergonha em se
sentir indiferente quando tudo em volta torna-se esquecido, distante,
desmemoriado. Vergonha de não ter percebido a onda de mediocridade na qual se
deixou arrastar com a maioria festiva e fútil. Achei que fosse imune a essa
“vergonha” quando me vi inserida no processo de morte do Cafundó Café e Arte,
projeto cultural que criei em Jaçanã (RN), por falta do envolvimento político
que pudesse apropriar-se da ideia e levá-la adiante. Tive que me desfazer dos
livros (papéis) e de todo um patrimônio artístico que foi edificado ao longo de
quase dois anos. No final deste período estava só, cansada e esmagada pela
indiferença. Agora, porém, eis que me vejo do lado de dentro da bolha,
indiferente.
Trago meu duplo exemplo de
ativismo/indiferença para falar de outro exemplo bem maior e infinitamente mais
importante, que pede olhos e interesse não só político como também social por
dizer respeito à construção de um saber, de uma cultura para a população do Rio
Grande do Norte. Falo do projeto de vida da professora universitária,
escritora, antropóloga e feminista Elizabeth Cabral Nasser. Elizabeth foi a
primeira presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, criado em
1986, e uma das líderes, junto a outras ativistas daqui e de outros estados, responsáveis
pela formatação de políticas para a causa feminina no Brasil. Hoje, com 77 anos
e aposentada, ela mantém o pensamento atual e a vontade de levar à sociedade o
que parece já não existir para feministas contemporâneas, que são as discussões
ideológicas, essenciais na construção de seres livres e base para a superação
de contradições profundas como patriarcado, o machismo nas relações de gênero,
de afetividade e de poder, historicamente combatidas entre as décadas de 1970 e
1990.
Apesar da intensa participação e
comprometimento dos movimentos sociais desse período, ainda há quase tudo a ser
feito. Infelizmente, militantes da geração de Elizabeth estão completamente
esquecidas e banidas não só da Marcha das Vadias como também das relações com
aqueles com quem trilhou um caminho de rupturas e de políticas afirmativas.
Aliás, o tempo passou e levou com ele não só as ideologias como também foi
incapaz de gerar um tipo de mulher e de homem que agisse além de si mesmo e
da revolta no campo da sexualidade. Ou seja, ainda continuam em evidência
valores que apequenam e deformam o processo de emancipação tanto de homens como
de mulheres.
No dia 31 de maio, a convite de
Elizabeth, e depois de várias tentativas frustradas de reunir o grupo de
feministas que atuou com ela, vomitei em cima da minha indiferença e fui ao
encontro com a amiga. Conversarmos sobre
atualidades e o destino de seu acervo, que conta com centenas de livros e
outras dezenas de materiais, incluindo bottons, crachás, cartazes e folhetos que
ela guardou e catalogou ao longo de mais de 30 anos. Fiquei emocionada não só
com a vasta biblioteca específica ao assunto mulher, mas também com a riqueza
de seus ambientes artisticamente decorados com mobiliário antigo, esculturas e
telas de artistas importantes do Rio Grande do Norte, com os quais a
antropóloga e amante das artes manteve intensa amizade e interesse em adquirir
trabalhos dos amigos. Sem conter o meu deslumbre com a quantidade de peças que
poderiam estar disponíveis para outros olhos além dos meus, percebi a solidão
que permeava aqueles objetos e a sua dona, proporcionalmente equivalente à
minha solidão quando tive que fechar o Cafundó Café & Arte por falta de
olhos sensíveis e interessados por algo que parecia pertencer só a mim e à minha
vaidade.
Elizabeth é mais robusta e
determinada que eu. O sintoma da indiferença não abate a incansável mestre.
Idealizadora do GAM – Grupo Autônomo de Mulheres, que atuou entre o final dos
anos 1990 e começo de 2000, Elizabeth pensa reestruturar a entidade com vistas
a administrar no futuro o seu acervo, bem como voltar a chacoalhar a apatia,
principalmente na periferia de Natal, onde pretende retornar com a sua
inquietação de mulher que sempre encontra no mundo motivos para ser com o outro
não dentro da bolha, mas fora desta. E se as antigas militantes do GAM não
responderem ao seu chamado? Elizabeth já tem a resposta pronta: “Tenho meu
fusca, vou recomeçar as visitas pela comunidade, sozinha.”
Ana Barros
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