sexta-feira, 30 de maio de 2014

NOITES DE MAIO



Quem vem de uma família católica há de lembrar sempre, mesmo que mais tarde abandone a crença dos pais, o terço de Maria rezado nas noites de maio. Trinta e um dias de oração, ladainhas, flores de diversas cores e fragrâncias, círios de todos os tamanhos e muitos anjos (crianças) decorando o altar. Não sei se o ritual Mariano ainda acontece em algumas cidades do interior do Nordeste. Sei apenas que há muitos anos o padre de Jaçanã, que tem Fátima como padroeira, deu por encerradas as celebrações maravilhosas em homenagem à santa portuguesa. A atitude foi de completa retirada das imagens, dos cenários e dos cânticos entoados pelas mulheres que compunham os “noitários” de Maria. O altar ficou apenas com a imagem de Fátima e os castiçais de bronze. Aboliram os anjos vivos e toda a pompa das túnicas de seda branca, azul, amarela, asas de fru-fru, coroas e faixas salpicadas de areia brilhante, entoação do Treze de Maio e da Ladainha de Nossa Senhora em latim que todos aprendíamos com facilidade e gozo. Compreendi mais tarde, com o ódio dos protestantes aos ícones, bem como da limpeza proposital dos interiores dos templos católicos, que o meu interesse nas noites de maio jamais tivera um fundo religioso, mas tão somente estético. A ida à igreja termina por aí. Porém, àquela época, o envolvimento se fazia tão fervoroso que cada um aproveitava para reservar um dia de maio para rezar o terço em sua intenção e da família. Havia até certa competição na hora de contar as oferendas. Sabia-se a classe social à qual pertencia o fiel pelo valor arrecadado em sua novena. Minha avó Rita Pereira, católica apaixonada e nascida no dia de Santa Rita, 22 de maio, escolhia este dia para rezar o seu terço e oferecer à Santa uma quantia generosa. Era um momento maravilhoso e por isso, esperado pelos netos com a ansiedade dos atores, pois éramos os anjos e os santos do altar na noite de Santa Rita de Cássia. E, noite após noite de novena, eis que chega o 31, dia de coroar a Santa. É o momento mais esperada por todos. Como eu desejava ser o anjo que coroa a Santa... Mas sempre escolhiam a menina loura, de cachos no cabelo, semelhante aos anjos do Catecismo imaginados pelos nossos colonizadores. Para a minha feiura de menina comum e de cabelos curtos, restava o prêmio de consolação: ser anjo de segunda categoria, isto é, sem asas nem enfeites na túnica verde na novena de minha avó Rita Pereira.

Ana Barros

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