Quem vem de uma família católica há de lembrar sempre, mesmo que mais
tarde abandone a crença dos pais, o terço de Maria rezado nas noites de maio.
Trinta e um dias de oração, ladainhas, flores de diversas cores e fragrâncias,
círios de todos os tamanhos e muitos anjos (crianças) decorando o altar. Não
sei se o ritual Mariano ainda acontece em algumas cidades do interior do
Nordeste. Sei apenas que há muitos anos o padre de Jaçanã, que tem Fátima como
padroeira, deu por encerradas as celebrações maravilhosas em homenagem à santa
portuguesa. A atitude foi de completa retirada das imagens, dos cenários e dos
cânticos entoados pelas mulheres que compunham os “noitários” de Maria. O altar
ficou apenas com a imagem de Fátima e os castiçais de bronze. Aboliram os anjos
vivos e toda a pompa das túnicas de seda branca, azul, amarela, asas de
fru-fru, coroas e faixas salpicadas de areia brilhante, entoação do Treze de
Maio e da Ladainha de Nossa Senhora em latim que todos aprendíamos com
facilidade e gozo. Compreendi mais tarde, com o ódio dos protestantes aos
ícones, bem como da limpeza proposital dos interiores dos templos católicos,
que o meu interesse nas noites de maio jamais tivera um fundo religioso, mas
tão somente estético. A ida à igreja termina por aí. Porém, àquela época, o
envolvimento se fazia tão fervoroso que cada um aproveitava para reservar um
dia de maio para rezar o terço em sua intenção e da família. Havia até certa
competição na hora de contar as oferendas. Sabia-se a classe social à qual
pertencia o fiel pelo valor arrecadado em sua novena. Minha avó Rita Pereira,
católica apaixonada e nascida no dia de Santa Rita, 22 de maio, escolhia este
dia para rezar o seu terço e oferecer à Santa uma quantia generosa. Era um
momento maravilhoso e por isso, esperado pelos netos com a ansiedade dos
atores, pois éramos os anjos e os santos do altar na noite de Santa Rita de
Cássia. E, noite após noite de novena, eis que chega o 31, dia de coroar a
Santa. É o momento mais esperada por todos. Como eu desejava ser o anjo que
coroa a Santa... Mas sempre escolhiam a menina loura, de cachos no cabelo,
semelhante aos anjos do Catecismo imaginados pelos nossos colonizadores. Para a
minha feiura de menina comum e de cabelos curtos, restava o prêmio de consolação:
ser anjo de segunda categoria, isto é, sem asas nem enfeites na túnica verde na
novena de minha avó Rita Pereira.
Ana Barros
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