Há uma fundamental diferença entre os religiosos e os não religiosos. Ou se quiser, entre os que aprendem e incorporam uma moral e aqueles para quem viver é entregar-se à existência sem censuras nem impedimentos; viver de acordo com os sentidos. Aos religiosos uma existência plana e sem culpas, apesar de manterem uma angustiante e permanente “confissão” de seus “pecados”, uma meia vida, uma vida cortada por grandes intervalos de penitência e auto-flagelação. Nesse compassado e meticuloso caminho do religioso a criatividade e poder do indivíduo morrem para dar lugar ao santo, pois que a besta amoral é amarrada continuamente para poder continuar existindo, às vezes, miseravelmente.
Ser religioso não significa apenas seguir uma orientação cristã ou não. É mais profundo. Ser religioso é um comportamento que vai além do social. É uma atitude de mundo. É uma forma adotada de caminhar na terra. E isso está inscrito na filosofia, na poesia, na política, na literatura e em todas as magias intuídas sobre o real. Mas... e o amoral? Ah, esse é o sal da terra, a paixão, o vigor, os instintos, os sentidos, a sensualidade, a consciência que age e pensa no corpo inteiro e não apenas pela razão culposa do homem que conhece.
O amoral não adota rédeas e assim não anda sobre o chão mas voa sobre todas as coisas, pois seu tempo é intenso e curto. Diferente do religioso o amoral não conhece a prudência nem a regra. É explícito em sua dor e em suas paixões. Não tem compaixão por nada nem por ninguém porque é o próprio miolo do ser do mundo. E ele sabe que o ser do mundo é trágico igualmente a ele e que ambos se fundem no mesmo abraço fatal. Para quem não sente em si mesmo as duas pulsões de vida, para a imensa maioria que não passa da superfície de suas próprias experiências, é inaceitável que existam seres amorais. São estes os mais odiados e incompreendidos. Apesar de serem os mais profundos e verdadeiros, são acusados de loucos, demônios, depravados, excessivos etc. etc.
Mas olhemos para trás e façamos um apanhado dos grandes homens que fizeram a história dos homens, das artes dos homens, da política dos homens, da filosofia... São em sua maioria amorais. Um dos exemplos mais exaltados é Rimbaud, a mais fiel expressão do deus pagão Dionísio. Isso não quer dizer que mais tarde, se não morressem cedo, pudessem ser senhores ou senhoras religiosos. Um grande exemplo dessa transformação é Oscar Wilde. Lendo De Profundis podemos ver como ele lutou consigo mesmo para ir do irracional Dionísio ao luminoso Apolo.
È doloroso para um homem viver apenas num dos lados, entregar-se à religiosidade, a um ascetismo moral/científico ou a um desregramento total, a uma amoralidade completa. Em ambos a morte (do poder do indivíduo) e não a vida é a vitoriosa, pois viver requer a comunhão dos dois lados – claro escuro – sem deixar que um sufoque o outro, mas sabendo o instante exato do aniquilamento de um ou do outro. O que restará depois? Talvez uma doce melancolia... e um novo recomeçar...
Ana Barros
Natal, 16 de janeiro de 2009.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir