domingo, 8 de agosto de 2010
O olhar enviesado
Íamos em direção à Rua. Falávamos de nossas vidas. Você sofria não de você, mas de mundo. Vi seus olhos levemente molhados e parei no meio do caminho para beijá-los. Você estava triste pela humanidade e feliz porque eu compreendia o seu devotamento. Amei-o ainda mais e tive vontade, se o físico deixasse, de carregá-lo nos braços como quem carrega um troféu. Contentei-me, contudo, em apertar-lhe as mãos longas e magras como a dizer “você é o cara!” De mãos dadas e a sua cabeça doendo de mundo, a minha não pensava senão fotografar nuances de sua nobreza. Diminui o passo para aproveitar as impressões que a tagarelice intelectual dava início. Atravessamos a esquina que separa a Avenida do Beco, onde alguns jovens fumavam crak. Procurei seus olhos na certeza de encontrar a doçura que minutos atrás tanto amei quando você sofria de humanidade. E o que vi foi um olhar enviesado de quem não queria encontrar no caminho a Humanidade. Soltou minhas mãos, apressou o passo, voltou e puxou-me enfim pelo braço e, sem dissimular o repentino ar de enfado do rosto disse retirando o celular do bolso e digitando cento e noventa: “Vamos sair daqui!” Meu amado não tinha mais o olhar úmido nem quebrado, esperava ansioso a viatura da polícia.
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