quinta-feira, 8 de março de 2018

Retrato pintado

Sou ainda da geração de filhos e netos dos retratos de família emoldurados na parede. Molduras redondas de gesso e coloridas de acordo com o gosto do cliente. Lembro sempre das marrons e verde-oliva. Onde estariam aqueles vestidos lindos e ternos de gala? Jamais vi um dos meus familiares com outra roupa senão aquelas comuns do dia a dia na lida do roçado, ou com aquela única da missa de domingo. Mas todos nas foto-pinturas trajam roupas de festa. As mulheres, sóbrias, de vestidos de cor neutra e sem estampa, ostentam joias no pescoço e orelhas. No cabelo, um broche segura os cachos em cascata. Os homens, além de bigodes e costeletas pretas, cabelo emplastrado com alguma brilhantina, trajavam paletó, camisa branca e gravata, pintados pelo foto-pintor. 
A edição de novembro de 2017 da revista ZUPI traz uma bela reportagem sobre "A memória pintada no retrato". Foi através dela que fiquei sabendo que os foto-pintores da época, de posse de seus equipamentos, batiam a porta do cliente e perguntavam se tinha alguma fotografia que gostaria de pintar. Sim, havia. Mas a pessoa na foto estava velha... Isso não era problema, a nova foto sairia com a idade desejada do cliente. Aí estava o charme da foto pintada, tão atual quanto as produzidas com os recursos digitais de hoje. Durante o processo, o foto-pintor diminuía a idade de acordo com o solicitado. E é devido a esses artifícios que eu achava estranho meu avô de cabelos e bigodes pretos, fisionomia de quarentão na foto pintada, quando já se avizinhava dos 70 na foto preto e branco que servira de modelo.
Hoje encontrei o poster pintado e a foto original de minha avó paterna, Francisca Barros. Na primeira ela aparenta ter 30 anos. Mas olhando a segunda, a que foi modelo, daria uns 50 anos a minha vó. Gosto das duas imagens. Alegra-me saber que somos vaidosos desde sempre. Damos muita importância à nossa imagem, seja nas paredes internas da casa, seja na tela do computador. E se possível, sem rugas nem "bigode chinês". O que, vale observar, desaparecem na foto pintada de Francisca Barros. Resultado que alguns artistas tratam de hiper-real.

Ana Barros
Natal, 07 de março de 2018.



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