Acabou... Quem já não
experimentou a sensação de liberdade, de finalmente...
ao dizer esta simples palavra? Quantas vezes dizemos acabou! e que sonoridade terrível contém esse pretérito perfeito ao
estancarmos suas sílabas com espaços miúdos, nervosos, inflexíveis. Entretanto,
a paixão arde apenas para satisfazer este instante que todos nós sabemos, nunca
deixa de ser surpresa.
A-ca-bou!
é diferente de acabou... O primeiro é
dilacerante, passional, morte. Dói dizer, fere quem ouve. Mas é uma necessidade
de tudo aquilo que se inicia. Pois não
representamos o mesmo ato em cenários diferentes dezenas, centenas de vezes? É
necessário! Nossa condição instintiva e móvel exige a repetição daquilo que nos
inquieta (bem ou mal), até a consumação, seja pelo esgotamento natural do
sentimento, seja pela quebra brusca e violenta da ação. Mesmo que nos
interstícios de nossos atos abusemos do imperativo acabou pensando anular o sentimento causado pela experiência, não
adianta, pois só o tempo dará cabo das ramificações da ilusão.
Os amantes, somente os amantes, conhecem esta
sutileza dos sentidos. Nunca se cansam de repetir acabou! para logo em seguida
recomeçar tudo de novo como se fosse a primeira vez.
Há sem dúvida os senhores de si que quando dizem "acabou!" acabou mesmo. São de comportamento inflexível, duros, tirânicos. Chegam ao
paroxismo da virilidade, orgulham-se de ser imunes à vulnerabilidade das paixões.
Prudentes, desfazem-se com rapidez e sem grandes traumas dos incômodos da
sedução que, para os apaixonados, são a própria existência.
São esses
práticos de espírito sempre equilibrado para quem a dúvida não conta na
escalada do tempo. Têm solução para tudo que ameace a sua segurança. E se acabou, para eles não há ressurreição, Fênix. Para estes fortes, a experiência passou por longe não chegando sequer a causar
um arranhão capaz de fazê-los esquecer por um segundo as convicções nem sempre
sensatas.
Mas para aquele cuja vontade varia de acordo com o termômetro interno da
necessidade, a verdade só chega depois de múltiplas viagens pelo território
nebuloso da incerteza até um dia, cansado da batalha, esgotado da experiência,
mas já endurecido pela repetição do ato que se tornou pensamento e não mais
vontade, dizer, sem rancor e cheio de uma calma indiferença, acabou.
Ana Barros
Natal, 01/07/2000
Ana Barros
Natal, 01/07/2000