Enquanto fecho as
caixas da mudança pego a tela velha e atiro ao monte de coisas descartadas com
destino ao lixo. Porém, mais uma vez entre tantas, olho com pena e remorso para
o pobre quadro que um dia ousei chamar de arte. Tem 13 anos. Tempo suficiente
para desbotar as flores do pano de chita que colori o capacho adquirido a R$
1,99 na loja do chinês: brincadeira feita com o ordinário que tem o tempo
datado à próxima ida ao importado da Rio Branco. E eu não me canso de ir
ao importado da Rio Branco... Todas as aquisições rasgam ou se quebram mal
chego em casa. Mesmo assim, sinto imenso prazer em encontrar aquelas coisinhas
da China: coloridas, pequeninas e lindas. Mas a feiura da tela de flores
envelhecidas sorrindo com meiguice senil ao tapete velho jamais rasgou ou
quebrou, resistência que ajuda a não jogá-la fora, ou a correr a salvá-la da
lixeira, o que fiz de novo. Depois de resgatá-la
dos escombros da mudança, depois de banhá-la em cola branca, de alisar pra lá e
alisar pra cá os tecidos enrugados e manchados de bolor, paro espantada ao ver
que somos iguais, a tela e eu. Outra vez a acaricio e dou a ela não o destino
vulgar da indiferença, à qual damos às coisas pobres, velhas e feias. Penduro o retângulo de compensado de frente para
o espelho, no qual nos olhamos com a certeza de que eu sou ela.
Ana Barros
Natal, 21 de
janeiro de 2018.
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