domingo, 15 de março de 2015

NOIR



Tomei o gole de café com as mãos trêmulas e acompanhei a conversa fingindo nada saber para que A., com as imagens a pular na frente do óbvio, falasse o que eu já sabia, porém, para encobrir nossas baixezas, recorre sempre à explicação necessária, não a mim nem a ela, mas à farsa que obriga certeza. Naquele dia à pergunta “G., o que é um artista?”, A. aproximou o rosto e fixou nos meus olhos maus de bêbado. Pensei e não disse: “nós dois. Você, uma assassina. Eu, um suicida”. Sem me desviar do olhar que ansiava resposta atravessei a sala e desapareci. É certo que retorno alguns minutos depois ainda mais bêbado e com a resposta babando ódio: A. joga a interrogação no vento como quem lança dardos mortais. Mais que qualquer um ela sabe o que é um artista. E é por saber que tem a vidência de um deus e a soberba de um tirano. Enquanto eu, depravado e longe, dou à sombra vício e maldade, evasão e nulidade.

Ana Barros
Natal, 02 de março de 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário