sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Eu
A caixa de papelão manchado de fungos ainda guarda a fotografia sem data. Esquecida de querer de volta o papel amarelo e sem alma, apanhei o retângulo e olhei-o friamente. Não muito longe, lamentei a morte da inocência sob os véus da falsidade e da corrupção do gesto espantosamente revelados no arco dos ombros e nos braços frouxos caídos ao longo do corpo. Passando os olhos no pano de fundo donde sobressaem dois quadros que decoram a sala, Cristo e a Virgem, disse num suspiro de alívio e satisfação de mim: “sou o que sempre fui.” Em torno, a parede branca e sem ícones refletia a dança louca das formas vindas do Jardim ensolarado. Ali, deixei-me aliciar no rito frenético de êxtase e esfacelamento.
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