quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Tempo de rir

A crônica do cotidiano que faz rir, mesmo produzida por homens e mulheres desencantados, continua ativa e dando lucro com os novos recursos midiáticos. Basta observar a quantidade de shows de humor, sites e aplicativos de piadas, músicas de duplo sentido publicados diariamente. Porém a aparente felicidade não resiste a um olhar interessado em torno da cidade que se fecha em condomínios, grades, cerca eletrônica, câmeras, ciberespaços e vigilância 24 horas. Haveria mesmo tempo de rir numa atmosfera sem povo, na qual o medo substituiu a ousadia de ganhar a rua, uma vez que o riso requer parceiros de liberdade?

A rua é o lugar onde encontramos os dois, parceiros e liberdade, sem mais dificuldades. Basta sair pela porta da frente sem grades e, logo na calçada, encontrar aquela vizinha, ou aquele vizinho cujo “bom dia! como vai passando?” devolve a graça de ser gente e encontrar gente pela frente. Residir em bairro popular da cidade grande no qual ainda se encontram praças, calçadas, quadras e campos de futebol nos quais pessoas conversam, riem e, se encontra um livro adiante, leva, é viver no lado aberto, escancarado do mundo apesar de...

A Casa das palavras é um desses exemplos cultivados no caminho de quem não abandonou a rua. A casinha suspensa em alguma coluna à vista de quem passa, convida o transeunte curioso a se aproximar e ver o que tem lá dentro. É uma forma livre de abordar aquele que ama a rua e dela sabe tirar proveito para todas as brechas existenciais, pois é nela, a rua, que vive o povo que não se amolda e nem se deixa trancar.

E foi na corrida que faço em torno da Praça de Neópolis que, como já é hábito, parei para olhar o que tinha dentro da Casa das palavras, estrategicamente plantada pela Cosern, dona do projeto, embaixo do cajueiro sob o qual sou obrigada passar, que encontrei um exemplar de Tempo de rir, do poeta Celso da Silveira. Que prazer senti ao pegar o livrinho de 90 páginas editado pela Clima em 1984. Clima, de Carlos Lima, editor persistente que acreditou no talento e potencial de venda de todos os escritores do RN, apesar de inúmeros exemplares amarelarem nas estantes empoeiradas da editora. Duas surpresas naquele percurso tão batido e já sem surpresas: reencontrar o poeta açuense e a Clima.

Fiquei feliz mais uma vez em ter vencido a preguiça e a inércia digital, calçado os tênis e corrido à praça. Senti a brisa que vinha do mar da Ponta Negra, sentei no tronco da árvore serrado e comecei a ler o poeta cheio da graça provinciana do interior, assim como é a Praça de Neópolis e quem ali corre cheio ou procurando graça:

PARÓQUIA VIZINHA: “Antônio, fotógrafo da prefeitura de Natal viajou ao Upanema para sepultar uma filha. Na igreja um senhor informou: – Aqui tem padre, mas só veve na piroca de Augusto Severo”. Fechei o livro sorrindo e com o pensamento já a quem passaria Tempo de rir. Claro que seria para outra pessoa gorda de riso frouxo e íntima da rua como foi o poeta de Glosa Glosarum. Tirei a poeira das páginas, embrulhei e arrumei na mala do Bazar da Moça Velha. Imediatamente Tutu respondeu pelo ZapZap: “traga que eu mando daqui As aventuras de Pedro Malasartes”.

Ana Barros
Natal, 04 de setembro de 2017.


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