Há
palavras que repetimos a vida inteira e não nos damos conta de que se tornaram
clichês vazios, ou seja, palavras vestidas do próprio sentido. Um dia chega em
que, instintivamente, nos pegamos repetindo o jargão sem o conhecimento da
origem, tampouco de que se trata, apesar do emprego estar absolutamente
adequado ao discurso. Paramos aí para uma pesquisa, não ao professor Google,
mas àquela pessoa que sabemos ter mais sabedoria que nós pelos anos vividos
para nos dizer o que vem a ser... E numa simples conversa de neto e avó vamos
encontrar deliciosas explicações para nossas frases feitas há século. Foi assim
recentemente com a expressão à boca miúda para dar nome ao comportamento
fofoqueiro recorrente nas rodas de conversa dos compadres ou das comadres em
esquinas, calçadas, bares, ou mesmo na missa de domingo. Como uma palavra traz
outra, ou outras, em sua origem, a vó tenta responder ao neto curioso o que vem
a ser à boca miúda com uma imagem concreta que desse peso e autenticidade ao
conceito por demais batido e repetido: “Lembra do fuxico de vó Marica? Pois
bem, falar à boca miúda é o mesmo que fuxicar.” A vó foi ao quarto de despejo,
abriu a maleta de tábuas amarelas, herança de vó Marica, e mostrou ao neto um
pano composto de círculos de vários tecidos lisos e com estampas coloridos
chuleados na borda e emendados um no outro. “Não entendi, vó”, disse o menino
ainda mais confuso. “É simples, meu bem”, ela disse carinhosamente. “Veja o
formato desse fuxico” – mostra-lhe o detalhe de um, verde-limão –, “ele não
está franzido como se fosse uma boca encolhida? Então, isso é a representação
artística de à boca miúda, ou seja, o corpo do fuxico que saiu da cabeça do
fuxiqueiro.” “Ah, vó, agora é que não entendi mesmo...” A mulher, cheia da
astúcia das avós maluquinhas, sem dar tempo ao menino de se defender, aproximou
o máximo a boca feito bico, aliás, feito fuxico, e cochichou chuviscando cuspe
no rosto do neto: “Vou dizer à tia Zefinha quem comeu o bolo de leite...” O
menino arregalou os olhos e gritou: “Isso é fuxico, vó”.
Ana Barros
Natal, 24 de janeiro de 2016.