Compreender a história por meio
de imagens que se fazem clássicas pelo conjunto de objetos, gestos e atmosfera
da sociedade presa no tempo clicado,
é o que Baudelaire considera como “moral e estética de uma época”. Talvez pela
necessidade da indústria de consumo de trocar o novo pelo mais novo, ficou difícil
julgar a moda de ontem e de agora quando aparentemente todos estão liberados para usar tudo, ou até mesmo
de não usar nada. Porém, basta voltarmos a olhar fotografias que tiramos há
cinco anos para ver o quanto mudamos. Ou reencontrar aquele parente que não
vemos há década, a não ser pelas fotos antigas na tela do computador, e ser
incapaz de reconhecer o homem que parece ter atravessado um século com a
vulnerabilidade de seu modo de vestir e se comportar no curto período em que,
igualmente aos seus contemporâneos, absorveu, mesmo involuntariamente, a moral
e a aparência da época. Tanto o dândi quanto o homem do povo, o playboy ou
outsider, o operário ou o vagabundo, todos os grupos constroem e reconstroem a
história da superfície na qual muitos teimam em encontrar verdade para
eternizar ciência, estética e fé. Apesar da rapidez com que descartamos coisas
e modas, ainda assim produzimos história, uma história que falsamente não se
deixa envelhecer por ser necessário adquirir um presente que proporcione mais
satisfação e prazer. Aqui poderíamos falar dos recursos digitais da fotografia
contemporânea, capazes de eliminar todos os vestígios impregnados de tempo de
uma imagem. Baudelaire quando analisa a moral e o estilo de uma época em Sobre a Modernidade, refere-se à
fotografia, pintura e desenhos de museu em Paris do século XVIII. Ele observa e
analisa cem anos depois. Observa em torno do eterno e da transitoriedade produzidos
e usados por homens e mulheres congelados em molduras num museu. Tanto a
palavra eterno como transitório soam estranhas num mundo no
qual há a ilusão de que o presente matou a insistente presença da morte com sua
alquimia civilizatória. Mas para os que,
independente da liquidez do presente, continuam com a mesma percepção de tempo
e existência finitos, haverá sempre cópias que se eternizam no belo e efêmero
de uma época. Mesmo que seja por um ano, um mês, um dia, acharemos sempre que o
que usamos no momento é o melhor, o mais civilizado e isento de ridículo, uma
vez que é a expressão máxima do capital mundano. Esquecemos, pois, que todas as
sociedades humanas tiveram o seu presente tão ou mais avançado que o nosso, uma
vez que o novo já nasce velho por ser a repetição tantas vezes quanto existir
homem e inteligência para reproduzir o mesmo. Da fricção de pedras ao chuveiro
elétrico, dos fios rústicos aos tecidos elaborados, do sabão artesanal ao
sabonete processado, homens e mulheres estiveram, e sempre vão estar, recriando
e enterrando tecnologias finitas que os fazem querer eternos. Na ação e vaidade
de seus atos encontram o belo
necessário à existência precária. Engana-se quem acha que a moda atual, por ser
pensada por profissionais qualificados em universidades de moda e designer não
é uma reprodução de ontem e que amanhã pode ser observada como descartável,
risível. Olhando a foto que ilustra o texto não podemos deixar de admirar a
elegância do Senhor que se olha no espelho do porta-chapéus, móvel tão fora de
moda quanto os acessórios nele postos, chapéu e guarda-chuva. No entanto, a
imagem em si é tão rica de símbolos da classe a qual pertenceu o Senhor, quanto
qualquer fotografia tirada hoje de um homem que faz parte da mesma classe
social que a do homem fotografado. Haverá sempre para o protagonista do
presente o espelho da moda, os acessórios, o tecido, o móvel, o carro, o
perfume, o sapato, a gravata e o terno adequados ao seu poder de compra. A
moda, dinâmica como todos os fenômenos sociais, vai ser substituída por outra
nem sempre mais interessante. Porém o homem será o mesmo em sua infinita vontade
de representar o que imagina criar. A moda é a resenha ilustrada desse homem.
Os de pouco ganho que querem a todo custo acompanhar as tendências do momento
contentar-se-ão com a imitação vulgar que promete felicidade e igualdade para
todos no mundo das efemeridades. Em relação aos primeiros, aos que definem a
moda, a admiração, a inveja, a cópia por aqueles que são obrigados pelo
trabalho renovar ciclicamente os desejos de quem dita a moda. Basta olhar com
interesse as fotografias que ilustram livros e revistas de História para
perceber, pela postura refinada ou não, características representativas da
educação e indústria de consumo de um povo.
Ana Barros
Natal, 27 de julho de 2015.
Foto: Lenira Xavier
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