As lembranças
da infância raramente coincidem com a volta ao objeto empurrado para
trás com os cheiros e os sons que animaram a vida em começo. O baú com
dobradiças de latão e que guardava as roupas usadas uma única vez no ano, nos
festejos natalinos, é talvez o símbolo mais alegre no terreno do imaginário calcificado.
Com que curiosidade olhava aquela arca que ocupava os pés da cama de casal sem
jamais ser aberta diante dos meninos e das meninas da casa, tratados pelos
adultos com a indiferença que tudo observa
e dissimula como assunto sem importância. Além do baú e das malas de tábua, todos
os utensílios e móveis usados no cotidiano eram vistos com a admiração de quem
observa não a utilidade imediata, mas a beleza que deixa para sempre impressões
de prazer. O pilão deitado, o moinho, a chaleira e a cuscuzeira de barro, as
panelas e os potes, também de barro, o fogão de lenha sempre aceso, os bancos e
a mesa de madeira rústica, todos ali ao alcance da mão que não conhece Bombril nem alumínio, mas tão somente o
peso literal da matéria extraída do solo e transformada em formas redondas ou alongadas.
Nada, porém, se compara à surpresa de voltar á casa onde nasceram os pais e
onde se deu os primeiros passos. De grande não há mais nada a não ser a
frustração de ver que a memória mergulhada nas configurações de uma época
despertou no presente real do objeto que virou história. A casa se fez
minúscula, acanhada, baixinha, sem a magia nem os fantasmas do corredor escuro.
Os utensílios majestosos agora são cacarecos inúteis desprezados no quintal. Os
móveis, roídos e oxidados, escoram alguma parede mole ou servem de abrigo à cadela com filhotes. Nenhuma roseira ao
redor, nem a horta suspensa no jirau para evitar os cururus, nenhuma galinha de
pintos ciscando no terreiro, nenhum jumento disputando o monturo com os porcos,
nem mais um daqueles homens rústicos com a enxada no ombro e o cigarro de palha
no canto da boca. Nada mais ali tem a ver com a memória redescoberta no tempo
das coisas mortas e dos homens de tempo minguado.
Ana
Barros
Foto: acervo do Memorial dos Fortunato |
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