terça-feira, 17 de setembro de 2013

SOLO DE OUTONO



Esquadrinhava os cômodos que abandonei na confusão de rendas amarelas e perfumes fora de validade, quando senti grande alívio em trincar o espelho que ainda ontem avaliava o meu corpo parnasiano. Percorri sem pressa o caminho que leva à praia sentindo os seixos machucarem a carne amaciada com beijos falsos e cremes de Paris. Pensei: “Thais no deserto do arrependimento?” Não... não peço como pede a mulher desvairada de liberdade consumada a um monge miserável e louco e culpado e de sexo encolhido na frustração do desejo – que me livrasse do inferno da culpa. Até porque as faces excitadas onde o religioso poderia cuspir a sua saliva impura – murcharam. Embora eu traga entre as pernas um rio seco sem mais vazantes nem cardumes a intumescer o ventre, exulto à alegria de pisar o solo rugoso tão velho quanto o tempo, tão diluído quando à luz. Exulto à alegria da natureza vazia que cria o novo e repele o que exaure sem um deus para espiar corpos deformados. Os pensamentos voam ao vento ancião e impotente da noite que foi facho e agora sombra. Caminho e toco as ondas mortas e jogo fora os panos castos que insistem esconder o que antes despia. E longe da superfície me entrego ao fantasma do nada que me empurra correnteza abaixo sem se preocupar com o dia que nasce e que de novo é novo nos ponteiros do relógio.

Ana Barros

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