Esquadrinhava os cômodos que abandonei na
confusão de rendas amarelas e perfumes fora de validade, quando senti grande alívio
em trincar o espelho que ainda ontem avaliava o meu corpo parnasiano. Percorri sem
pressa o caminho que leva à praia sentindo os seixos machucarem a carne
amaciada com beijos falsos e cremes de Paris. Pensei: “Thais no deserto do
arrependimento?” Não... não peço como pede a mulher desvairada de liberdade consumada
a um monge miserável e louco e culpado e de sexo encolhido na frustração do
desejo – que me livrasse do inferno da culpa. Até porque as faces excitadas
onde o religioso poderia cuspir a sua saliva impura – murcharam. Embora eu traga
entre as pernas um rio seco sem mais vazantes nem cardumes a intumescer o ventre,
exulto à alegria de pisar o solo rugoso tão velho quanto o tempo, tão diluído
quando à luz. Exulto à alegria da natureza vazia que cria o novo e repele o que
exaure sem um deus para espiar corpos deformados. Os pensamentos voam ao vento ancião
e impotente da noite que foi facho e agora sombra. Caminho e toco as ondas
mortas e jogo fora os panos castos que insistem esconder o que antes despia. E
longe da superfície me entrego ao fantasma do nada que me empurra correnteza abaixo
sem se preocupar com o dia que nasce e que de novo é novo nos ponteiros do
relógio.
Ana Barros
Nenhum comentário:
Postar um comentário