terça-feira, 24 de setembro de 2013

FUMAR JÁ FOI UM... CHARME



Lauro apagou o cigarro antes de entrarmos no bar onde ele, com a atenção e o cuidado de todas as pessoas bem informadas, leu o aviso pendurado na parede ao lado, o qual dizia ser proibido fumar naquele lugar. Logo abaixo, o número da Lei em negrito. Gostei da atitude de Lauro não por eu ser uma adepta dos bons costumes nem tampouco me considerar uma pessoa politicamente correta. Gostei porque trouxe à lembrança a fragilidade dos costumes aos quais nos agarramos como a moral mais exata e permanente quando, observemos, não passam de quimeras, cinzas jogadas no tempo. Uma dessas quimeras é justamente a atual proibição do fumo em lugares coletivos e fechados e o patrulhamento dos adeptos da boa saúde. Senão, vejamos a história dos hábitos de nossos antepassados de cinquenta, cem anos atrás e vamos constatar, com certa melancolia, a nulidade no presente de quase toda a moral instituída por eles como verdade. E, se continuássemos vivos além de cem anos, haveríamos de presenciar a derrota de todas as nossas convenções.

Olhei Lauro esmagar o toco do cigarro sob o sapato e vi outra cena de tempos muito para trás quando, ainda menina de sete, oito anos, acompanhava meu avô Chico Pereira na "degustação" de um longo e grosso cigarro brejeiro, ou "pé-de-burro", como era vulgarmente chamado entre os camponeses. Longe de imaginar que um dia aquela permissividade seria punida com o rigor da Lei, meu avô, como todos os adultos que não só fumavam na presença e com as crianças, mas as levavam com eles para ajudar no trabalho do campo, outra prática hoje substituída por auxílios de governo, picava o fumo de rolo numa tábua, fazia o cigarro seguido por seus trabalhadores e por mim, que observava como os homens enrolavam o papel seda, ou mesmo o papel de embrulhar o pão. Esse ritual acontecia sempre depois do almoço, entre a sesta e o retorno ao roçado, com os homens portando o resto do cigarro molhado de saliva escura atrás da orelha para fumar em algum instante qualquer, amparado no cabo da enxada.

Jamais fumei um cigarro até o fim. O estômago começa a embrulhar, a cabeça roda e não paro de cuspir o resto do dia. Insisti várias vezes no vício que meu avô, minha mãe, irmãos e tios desenvolveram largamente e sem impedimentos de ninguém, hábito que mais tarde, junto ao uso do álcool por alguns, traria sequelas e morte. Insisti, mas o organismo sempre rejeitou o que noutros era prazer. E foi graças à fraqueza da minha fisiologia para os transportes motivados por algumas drogas lícitas como o tabaco e o álcool, que não me tornei usuária, nem dessas substâncias nem de outras que, por ser matuta e vir parar na capital já formada na cultura do medo, passaram invisíveis por mim, não só pelo medo incutido como pedagogia mas, principalmente, pelo físico propenso a adoecer.

O que observo aqui é a importância das coisas em que nos cercamos num momento como prazerosas para logo adiante deixarmos de lado como nocivas, pecaminosas, feias e não mais necessárias. Aqui o costume passa a ser crime, ou não, dependendo da sociedade do momento. O que é comum proíbe-se e vira Lei, ou esgota-se no hábito e vira consumo, ou corrompe-se a Lei nos usos à margem do poder. Ou ainda criam-se leis para justificar os usos. Quanto a meu avô, sem conhecimento de nenhuma norma proibitiva, deixou de fumar o seu "pé-de-burro" uns dez anos antes de morrer, aos 70.

Ana Barros

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