domingo, 18 de setembro de 2011

O saco

Amarrava o saco quando num impulso disse a Tânia que parecíamos os resíduos ali despojados e que imaginamos jogar fora sem guardar o mais insignificante dos vermes e que, depois de arremessado, estufamos o peito e orgulhosos começamos de novo a encher. Ora, ora – ela disse rindo o risinho cínico de quem conhece o ilimitado poder da higiene – comigo não! O meu saco eu jogo fora e dele não guardo nem o cheiro. Oh – eu disse – um dia terás o teu saco de volta e atirado no rosto com a fúria de um soco. Mas eu não sou você, que vive fuçando o monturo. Jamais vou deixar que um verme roa minha carne pela segunda vez, respondeu com exatidão. Não será o mesmo... Será um verme mais estranho e poderoso, daqueles que quanto mais esmagamos com o pé mais ele retorna forte, robusto: assim..., disse apontando a larva branca, gorda e peluda que furava o couro podre do rato, cuja carniça eu encontrara no Laboratório e acabava de enfiar no saco. Lá vem você com suas comparações nojentas. Não pode esquecer por um segundo que o que fazemos é apenas experiência e que temos o poder de interferir nos resultados? Quase gritei: Resultado de experiências jamais leva em conta o verme que pulula dentro do saco, que se esconde no subsolo. Interessam só as lâminas assépticas. E ela: E daí que as lâminas assépticas sejam as preferidas? Por que esta insistência com o que é podre? Daí que é um blefe essa conversa de preferidas, de higienização pois o que há é apenas intervalos entre o saco jogado fora e o saco que mais uma vez retorna cheio, mesquinho e insistentemente viscoso, concluí enquanto num gesto teatral agarrava com a pinça o último tapuru e o levei quase a tocar o rosto de Tânia. Posso viver sem intervalos entre dois sacos absurdos, ela disse dando um salto para trás. Basta um movimento assim... Ou então um salto sobre o último verme, disse fingindo abocanhar o tapuru. E impaciente com a conversa ela acrescentou: Por que devo suportar esse argumento de saco vai, saco vem? Por que não acabar de vez com essa sujeira e arranjar-se com o que há de mais limpo e perfumado? Será que Napoleão perdia tempo em encher e secar o saco? Considerei a questão e percebi que jamais em toda a minha vida eu passara um dia sem receber de volta o saco cheio e perguntei satisfeito: Será que Napoleão, estrategista de esconderijos, não deu ordens aos seus soldados para interceptar o saco e atrair o verme?

Ana Barros

2 comentários:

  1. Não tenho deixado comentários por aqui, mas continuo hipnotizado por seus textos, gosto tanto que volto sempre... Bjs.

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  2. Macário:
    É tão bom saber que tenho você por perto,meu primeiro leitor; uma pessoa que sente com o mais delicado da alma. Também não comento muito no seu blog mas constantemente passo por lá.
    Beijos,
    Ana

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