sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dezembro

Dezembro é um mês úmido: tudo amolece com o calor e os sentimentos dos homens. Foi assim que me senti na tarde de 24 de dezembro quando fui ao Shopping comprar o presente de Ana. Esbarrei a todo instante com alguém que me dizia como se me conhecesse há décadas: Feliz Natal! O riso superficial e a frase vazia me deixaram também úmido. Minhas axilas transpiravam e percebi duas manchas enormes na camisa de brim azul. Merda! Minha camisa nova manchada... Olá, Vicente! Era Lúcio que gritava vindo em minha direção com o carrinho cheio de champanhe e frutas europeias, ia cear na casa de Marta. Feliz Natal, Vicente, disse apertando minha mão com entusiasmo cristão. Odeio Natal, disse afrouxando o aperto de mãos caloroso. E eu amo, retrucou. Mas... por que? eu quis saber. A gente fica mais humano... suspirou empurrando o carrinho em direção ao estacionamento. Rangi os dentes e senti que quebrara os ovos que trazia nas mãos. Imbecil! Disse baixinho entre dentes quando ouvi alguém dizer: Falando sozinho, Vicente? Era Magali... Feliz Natal, querido! disse correndo para entrar na fila do caixa. Gostei da agitação, evitava o mau-humor da resposta. Desculpa a pressa, Vicente. É que ainda vou ao salão, depois vou pegar o João no escritório e ainda levar Júnior na casa da namorada. Tchau e um beijo na Ana, ela tá bem? Não precisei responder. Aliás, eu nunca respondia a essa pergunta de Magali, não dava tempo. Olhei de novo debaixo das axilas, não havia mais umidade mas uma mancha fedida do tamanho da cavidade do braço. Merda! Como vou abraçar Ana? Paguei o vinho, os cigarros, as camisinhas e a lingerie de Ana. Dezembro é realmente úmido... pensei acariciando o tecido vermelho e macio da calcinha.

Ana Barros

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