terça-feira, 7 de maio de 2013

URBANO


Voo raso no caos
Quem se ocupa com atos banais?
Se assim faz corre o risco de ser sentido
Colho as imagens risíveis
Estampas de janelas de vidro
Apanho meu passado rural debaixo da ponte do grande rio e
Entro na sala de gente rota
O mundo fechou as portas
Os homens caminham...  
E eu invisível passo

Ana Barros


terça-feira, 16 de abril de 2013

A MORTE DE A



Eu ri
Do pé à raiz do meu cabelo
Quando entrei e vi
O amarelo que era a carne
Sem poder escolher entre aqui e Lá
Levei à garganta a cócega moribunda e
Vestida de sol e agarrada ao fio solto
Me equilibrei na linha esticada aonde
Andei lenta e concentrada em direção à sombra
Que avançava... Vitoriosa
Senti o toque sensual da matéria que não é
E deixei que cobrisse o meu coração
Entregue ao voo mais alto e banal


Ana Barros

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A BRECHA



Entre mim e lá

Uma brecha...

Impossível fechar

Amanhece...  anoitece...

A brecha

Metade aqui

Para sempre

Só 


Ana Barros




quarta-feira, 13 de março de 2013

QUANDO OS OBJETOS SE TORNAM INVISÍVEIS



Há pessoas que não dão muita importância aos móveis, utensílios e outra infinidade de miudezas que compõem a atmosfera da casa. Passam os anos e aqueles objetos continuam ali, no mesmo lugar de sempre. E se os donos vivem vida longa aí é que nada sai do lugar mesmo. Mas o interessante é que, com o passar do tempo, todos se acostumam com os espaços ocupados e ninguém dá mais pela presença daquela cama velha, do fogão da vovó, da cadeira com o pé manco do tio velho, ou do porta-toalhas que encardiu no lugar onde todos enxugam a mão enquanto dão uma espiadinha no espelho oxidado, sem enxergar que o pequeno móvel envelheceu, que ninguém o valoriza senão pelos donos da casa que ainda vivem. Assim aconteceu com o porta-toalhas de minha avó materna, Rita Pereira. Depois de sua morte, ano passado, aos 92 anos, a família fez a partilha entre os filhos e netos e doou o que era para ser doado. Depois de alguns dias, amigas de Natal se hospedaram na casa e então, a surpresa! Edilma Lopes : "Ana, por que esse porta-toalhas não está no Cafundó?" E foi aí que percebi o pequeno móvel gasto dos nossos dedos, do nosso suor, das nossas sujeirinhas de criança lavadas na bacia de ágata branca da minha avó D. Ritinha, das inúmeras enxugadas de mãos e de rosto do meu avô Chico Pereira quando chegava suado do roçado. Imediatamente pedi permissão para "tombá-lo" no Cafundó Café & Arte. Hoje ele se encontra decorando uma das paredes do Sebo. 


domingo, 10 de março de 2013

PORQUE DESLIGUEI A TV

Já faz algum tempo que resolvi desligar o aparelho de televisão. Esqueci que ele dorme esquecido num canto qualquer da casa. Teve vezes que liguei querendo me distrair um pouco, mas logo o enfado em ver a repetição exaustiva das falácias que, num parto doloroso, uma vez que dói mexer nas emoções cristalizadas, resolvi arrancar de mim.

Se gozamos ao assistir novelas na TV, enfiados até o pescoço em mentiras, traições e falsidades, com o tempo e a falta de um meio de cultura melhor, estas passam a ser citadas como verdade. E arrancá-las de nosso cotidiano custa o preço do silêncio nos cômodos da casa e à entrega, ou não, a outros veículos mais inteligentes.

Como sou dada ao retorno da mesma coisa até sentir o zero da necessidade, resolvi ligar a TV na sexta-feira, final da novela da Globo, Lado a lado. E foi como se tivesse chegado de viagem a um país distante, onde não se valorizasse cultura semelhante àquela que a tela me oferecia como motivo para a minha educação feminista, pois, estrategicamente, a Globo transmitia o fim do folhetim no Dia Internacional da Mulher, oito de março.

Como já fazia muito tempo que não assistia novelas, quase perdi os sentidos ao ver a personagem miserável em que a Globo havia transformado a atriz Patrícia Pillar. Não compreendi por que alguém ainda perdia o seu tempo sentado de frente para a TV para assistir tamanho absurdo cultural. Mas quando se trata de algo chamado arte ou cultura para o povo, feito para o público, tive o cuidado de demorar mais um pouco em minhas reflexões para poder escrever o que descobria em minhas próprias experiências, as quais são semelhantes à de todos que desligam a TV. E foi com orgulho e vitória que percebi de vez a nulidade da TV em minha vida na noite de sexta-feira, oito de março. Orgulho porque estava completamente livre de algo que não me fazia falta, igualmente a uma daquelas paixões pela qual sofremos horrores e, passados alguns meses, ou anos, enxergamos envergonhados, apesar de não haver vergonha nenhuma em se apaixonar, o desperdício de tempo e de energia com algo tão inútil como a paixão. Vitoriosa pelo salto de qualidade em minha escala de valores. Não posso chamar de outra coisa senão de aberração, apologia aos instintos mais baixos, a exploração de valores mesquinhos em personagens que, em vez de crescer, de amadurecer em seus papeis, tornam-se figuras raquíticas, absolutamente más, sem o mínimo de sensatez, ou o contrário, anjos, bondade absoluta, ingenuidade ridícula e insana. Ou seja, um maniqueísmo patológico que leva o que se impõe com a força bruta de seu caráter à condição de mostro, marginal, bandido sem redenção nem atenuantes morais. Quem é mal é mal o tempo todo, tira vantagem o tempo todo sobre pobres vítimas da bondade total para no final pagar todas as penas como um demônio queimando no fogo eterno do inferno. Isso para deleite do telespectador, que frequentemente interfere na trama diabólica.

Confesso que já senti empatia com esses tipos mesquinhos da TV. Há como que uma necessidade de vingança virtual, uma vez que na realidade há a autocensura e a lei punitiva, na crueldade repetida todas as noites nos capítulos que parecem não ter fim. Há um gozo mórbido na tortura que é a novela feita para estimular os valores menos lapidados pela consciência despertada. Podem ser os mesmos valores que encontramos nas tragédias de Shakespeare, nas novelas de Dostoiévski, em Sófocles, entre outros do mesmo poder psicológico na construção de personagens complexos porque humanos.

A diferença, entretanto, é que nestes há uma moral das alturas, uma ascese do pensamento que reflete, busca e supera. Nada mais tocante que a agonia metafísica de Raskolnikov em Crime e Castigo, com a sua redenção na dor e no castigo, este, não imposto pelos homens, mas pela consciência do indivíduo que acusa e liberta. Isso é a moral dos grandes da literatura... Édipo, cego para a banalidade do devir mas lúcido do seu crime, que é a persistência no conhecimento que cega para dar à luz. Sempre uma moral para aquele que entra no livro e se confunde com os tipos descritos com profunda compreensão, amor e empatia com o homem comum perdido no tempo existencial.

As novelas da TV brasileira, apesar do conhecimento emitido por alguns antropólogos a respeito de seu poder na releitura de assuntos como feminismo, homossexualidade, meio ambiente, etnia, entre outros, estão fora da capacidade luminosa da moral. Se existe nelas uma moral, é a moral do pequeno, do vazio de dor e cura. A imagem da baronesa Constância (Patrícia Pillar), humilhada por todos e abandonada numa fazenda por aqueles a quem fez o mal, resume a insignificância dos personagens. Se neles há crescimento, é o crescimento do abismo entre o animal e o pensamento.

Ana Barros

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

PONTO E VÍRGULA


Talvez para a grande maioria das mulheres cause inveja não poder, como as artistas famosas e outras celebridades do mundo da mídia e da moda, fazer uma plástica depois dos quarenta. Digo depois dos quarenta, pois é aí que nos damos conta de que existe o fator tempo, até então ignorado sob o império da rigidez da carne e a ilusão de eternidade na qual a juventude desliza impulsiva e erotizada.
Não conheço outra evidência mais circunstancial do prenúncio da temporalidade do que as marcas do tempo cravadas em nosso rosto de meia idade. Infelizmente, quase todas nós desejamos apagar qualquer vestígio desse companheiro de viagem. E nada melhor do que recorrer à plástica, cuja prática desmancha as impressões externas de nossas experiências de mundo.
Falo da mulher porque ela é, heroica ou indiferente, quem tem o privilégio de saborear de forma diferente do homem as ilusões e fantasias que a vida oferece. Apesar do cotidiano pragmático já bem equiparado ao masculino, permanecemos investidas de sentimentos e sensações comparadas em sua amplitude e ambivalência ao ritmo irregular da natureza. Apaixonar, desiludir, amar, esquecer, enfim, viver muitas experiências, milhares de vezes, cada uma como se fosse a última e descobrir espantada que sempre é igual à primeira vez: tudo acaba. Engravidar, parir, educar os filhos... divorciar, enviuvar ou acostumar-se a um casamento frio. Vestir-se de autoridade sem deixar de ser amiga, sensível, companheira. Compreender. Silenciar. Amansar a voz, aceitar as diferenças e falar com os olhos. As mulheres são vistas assim.
Lembro de uma crônica de Afonso Romano de Sant’ana, A mulher madura, na qual lamenta o marido não ter paciência para conhecer esta mulher. Na plenitude espiritual, que coincide com a menopausa, a serenidade, a libertação dos desejos sexuais, uma vez que nessa idade a mulher se surpreende com uma erotização livre da moral e dos valores sacralizados pela família e a igreja, o homem vai embora deixando para a mulher colher o melhor que a vida pode dar: o retorno a si mesma.
Mas voltando à tendência humana de negar o tempo gasto, que fazer das cicatrizes internas, invisíveis, profundas, que nos fizeram maduras e indivíduos no correr do tempo? Ora, o passado serve justamente para lembrar que o instante só existe através dos seus fragmentos.  No entanto, teimamos em desdenhar o espelho real, pois é feio, duro, desumano. Preferimos o espelho da fantasia negando toda uma história que, sem ela, não teríamos existência alguma. Portanto, é isso que acontece quando estiramos as marcas do tempo no rosto e exigimos a mesma cara dos vinte anos. Queremos apagar a existência consumada, ter o tempo de volta. Podemos fazer isso?
Digo que não seria capaz de uma proeza tão fantástica, impossível mesmo para quem se tornou cúmplice do tempo. Já saí da casa dos quarenta. Tenho todas as marcas anunciadas da velhice. Nunca as quis nem pedi, pois não as conhecia. Mas chegaram com os quarenta e hoje não sei pensar, agir, sorrir, olhar, sem aquele algo estranho, diferente, racional, grave que se imiscuiu em minha interioridade. Quando lembro dessa chegada, me vêm à mente os versos trágicos de Fernando Pessoa: Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade/ Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.
"Vencido" e "lúcido". No entanto, só quem experimenta esse conhecimento sabe a dimensão de ser vencido, despojado das armas e dos cuidados com valores que envelheceram e não representam mais nenhum poder. Lucidez do momento extremo e paradoxal entre um intervalo (pretensamente jovem e eterno) que expira, e o outro (maduro e conhecedor do fim), que se anuncia sabendo de antemão o limite.
O conhecimento da verdade, e que nada podemos fazer para ser diferente, é o que temos de maior ao atingirmos à maturidade. Longe de ser um elogio à derrota, mas amor a todo o passado, amor a todo o presente e ao futuro, até mesmo saborear a derrota inevitável que não se verga diante do novo que irrompe vigoroso. Mesmo com o ar cansado dos olhos, a pele já amolecida e os cabelos mesclados de branco, quando temos o privilégio de compreender o submundo do devir, somos agraciados com a leveza dos vinte anos. Conhecemos o amor, o belo, a doçura, a melancolia... sem cair no sentimentalismo que empobrece. Se temos filhos, quanta graça. Eles passam a ser o que fomos na idade deles e nós, agora refletidos, reavivamos os sentimentos dessa época inquieta e utópica, só que desta vez (ainda inquieta) com a lucidez do eterno círculo. Aí podemos compreender nós mesmas, a criança, o jovem, o velho e as demais coisas ao nosso redor, pois que aprendemos com o melhor dos amigos, o mais áspero e o mais generoso dos amigos: o tempo.

Ana Barros 

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

RECOLHIMENTO DO MAR NOTURNO


O véu é espesso e desmancha o mundo
Ausência que tudo cobre...
Já não escuto e nem vejo
o que antes era achado
Dirijo os meus olhos para este mar
que já não é mar, para este céu que já não é céu:
a noite me envolveu na penumbra da
ilusão que faz de tudo nada
Tenho às mãos o que deixou de ser segredo
Prazer imóvel que move
um oceano nos olhos

Ana Barros