segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Vagalumes e vitrais



No museu da cidadezinha de 


Arês, escondida entre o mar de Tibau e a Lagoa de Guaraíras, RN, me deparei 

com coleções de garras separadas por tamanho, volume e cor. Garrafas cujas cores encheram os meus

olhos da alegria infantil encontrada no contato com os materiais mais simples e precários, como são os

vidros coloridos à luz do interior de uma igreja. Sim, o museu de Arês é na igreja de estilo barroco São

João Batista. Pois bem, por este detalhe, escolher um lugar sagrado para acomodar resíduos profanos,

aumentou em mim a sensação de completude, de aniquilamento de culpa. Da infância trazemos a

memória de ordem, de disciplina, de cuidado e disposição dos objetos sobre o mundo a impor 
um ideal de permanência. Ideal este conquistado nem que seja da contemplação de um caco de vidro azul: 
do vinho do padre? da cachaça do sacristão? do licor da beata? do azeite do bispo glutão? Existir para o

colecionador de Arês, tão disciplinado em guardar e arrumar garrafas e garrafinhas secas, possivelmente

não consumidas por ele, tinha a ver mais com volumes, espaço, tempo e cor. Uma escolha estética em

meio ao cotidiano medíocre das obrigações. Sabido é que de dentro dos frascos escorreram líquidos

maravilhosamente iguais à beleza das garrafas. Deleite sensual para aquele, ou aquela, que enganou o

tédio com vaga-lumes e vitrais.


Ana Barros

Natal, 18 de setembro de 2019.

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