No museu da cidadezinha de Arês, escondida entre o mar de Tibau
e a Lagoa de Guaraíras, Rio Grande do Norte, me deparei com coleções de garrafas
separadas por tamanho, volume e cor. Garrafas cujas cores encheram os meus olhos
da alegria infantil encontrada no contato com os materiais mais simples e
precários, como são os vidros coloridos à luz do interior de uma igreja. Sim, o
museu de Arês é na igreja de estilo barroco São João Batista. Pois bem, por
este detalhe, escolher um lugar sagrado para acomodar resíduos profanos, aumentou
em mim a sensação de completude, de aniquilamento de culpa. Da infância
trazemos a memória de ordem, de disciplina, de cuidado e disposição dos objetos
sobre o mundo a impor um ideal de permanência. Ideal este conquistado nem que
seja da contemplação de um caco de vidro azul: do vinho do padre? da cachaça do
sacristão? do licor da beata? do azeite do bispo glutão? Existir para o colecionador
de Arês, tão disciplinado em guardar e arrumar garrafas e garrafinhas secas, possivelmente
não consumidas por ele, tinha a ver mais com volumes, espaço, tempo e cor. Uma
escolha estética em meio ao cotidiano medíocre das obrigações. Sabido é que de
dentro dos frascos escorreram líquidos maravilhosamente iguais à beleza das
garrafas. Deleite sensual para aquele, ou aquela, que enganou o tédio com vagalumes
e vitrais.
Ana Barros
Natal, 18 de setembro de 2019.
