quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Vaga-lumes e vitrais

No museu da cidadezinha de Arês, escondida entre o mar de Tibau e a Lagoa de Guaraíras, me deparei com coleções de garras separadas pelo tamanho, volume e cor. Garrafas cujas cores encheram os meus olhos da alegria infantil encontrada no contato com os materiais mais simples e precários, como são os vidros coloridos à luz do interior de uma igreja. Sim, o museu de Arês é na igreja de estilo barroco São João Batista. Pois bem, por este detalhe, escolher um lugar sagrado para acomodar resíduos profanos, aumentou em mim a sensação de completude, de aniquilamento de   culpa: quis a infância. Desta trazemos a memória de ordem, de disciplina, de cuidado e disposição dos objetos sobre um mundo a impor um ideal de permanência. Ideal este conquistado nem que seja da contemplação de um caco de vidro azul... do vinho (do padre?), da cachaça barata (do cabaré?), do licor (da beata?), do azeite (do bispo glutão?). Não importa ali a origem dos frascos, se divina ou diabólica, e sim o congelamento do tempo. Existir para o colecionador de Arês, tão disciplinado em guardar e arrumar garrafas e garrafinhas secas, possivelmente não consumidas por ele, tinha a ver com tempo e cor. Uma escolha estética em meio ao cotidiano cinza e vulgar das obrigações. Sabido é que de dentro dos frascos escorreram líquidos maravilhosamente iguais à beleza das garrafas. Deleite sensual para aquele, ou aquela, que enganou o tédio com vaga-lumes e vitrais.

Ana Barros






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