A crônica do cotidiano que faz rir, mesmo produzida
por homens e mulheres desencantados, continua ativa e dando lucro com os novos
recursos midiáticos. Basta observar a quantidade de shows de humor, sites e
aplicativos de piadas, músicas de duplo sentido publicados diariamente. Porém a
aparente felicidade não resiste a um
olhar interessado em torno da cidade que se fecha em condomínios, grades, cerca
eletrônica, câmeras, ciberespaços e vigilância 24 horas. Haveria mesmo tempo de
rir numa atmosfera sem povo, na qual o medo substituiu a ousadia de ganhar a
rua, uma vez que o riso requer parceiros de liberdade?
A rua é o lugar onde encontramos os dois, parceiros
e liberdade, sem mais dificuldades. Basta sair pela porta da frente sem grades
e, logo na calçada, encontrar aquela vizinha, ou aquele vizinho cujo “bom dia!
como vai passando?” devolve a graça de ser gente e encontrar gente pela frente.
Residir em bairro popular da cidade grande no qual ainda se encontram praças,
calçadas, quadras e campos de futebol nos quais pessoas conversam, riem e, se
encontra um livro adiante, leva, é viver no lado aberto, escancarado do mundo
apesar de...
A Casa das
palavras é um desses exemplos cultivados no caminho de quem não abandonou a
rua. A casinha suspensa em alguma coluna à vista de quem passa, convida o
transeunte curioso a se aproximar e ver o que tem lá dentro. É uma forma livre
de abordar aquele que ama a rua e dela sabe tirar proveito para todas as
brechas existenciais, pois é nela, a rua, que vive o povo que não se amolda e nem
se deixa trancar.
E foi na corrida que faço em torno da Praça de
Neópolis que, como já é hábito, parei para olhar o que tinha dentro da Casa das palavras, estrategicamente
plantada pela Cosern, dona do projeto, embaixo do cajueiro sob o qual sou
obrigada passar, que encontrei um exemplar de Tempo de rir, do poeta Celso da Silveira. Que prazer senti ao pegar
o livrinho de 90 páginas editado pela Clima
em 1984. Clima, de Carlos Lima,
editor persistente que acreditou no talento e potencial de venda de todos os
escritores do RN, apesar de inúmeros exemplares amarelarem nas estantes
empoeiradas da editora. Duas surpresas naquele percurso tão batido e já sem
surpresas: reencontrar o poeta açuense e a Clima.
Fiquei feliz mais uma vez em ter vencido a preguiça
e a inércia digital, calçado os tênis e corrido à praça. Senti a brisa que
vinha do mar da Ponta Negra, sentei no tronco da árvore serrado e comecei a ler
o poeta cheio da graça provinciana do interior, assim como é a Praça de
Neópolis e quem ali corre cheio ou procurando graça:
PARÓQUIA VIZINHA: “Antônio, fotógrafo da prefeitura
de Natal viajou ao Upanema para sepultar uma filha. Na igreja um senhor
informou: – Aqui tem padre, mas só veve
na piroca de Augusto Severo”. Fechei
o livro sorrindo e com o pensamento já a quem passaria Tempo de rir. Claro que seria para outra pessoa gorda de riso
frouxo e íntima da rua como foi o poeta de Glosa Glosarum. Tirei a poeira das
páginas, embrulhei e arrumei na mala do Bazar
da Moça Velha. Imediatamente Tutu respondeu pelo ZapZap: “traga que eu mando daqui As aventuras de Pedro Malasartes”.
Ana Barros
Natal, 04 de setembro de 2017.