Há
um dito popular tão justificado quanto negado por aquele que observa a vida
ordinária de um ângulo psicológico,
na perspectiva intuitiva mesmo: pau que
nasce torto morre torto, dizem os deterministas daquele cuja índole, já na
velhice, é idêntica à da infância dos impulsos. Há quem diga não existir a pessoa velha, que o velho é o mesmo
indivíduo desde o dia em que nasce até o dia em que morre. Que envelhecer é o
processo obrigatório de quem veio sem pedir e de quem volta também sem pedir. Que
envelhecer é a impressão das horas na superfície de quem estendeu os limites de
ser à ausência do limite do qual é feito. Envelhecer, enfim, é manusear o mesmo
caderno cujas folhas, em branco no começo, são marcadas e passadas pelos dedos
calmos e cruéis do tempo. Aqui teríamos não a
pessoa velha, mas o indivíduo estendido ao ilimitado de suas
possibilidades, só interrompidas pela morte, instante último no qual é feita a clara
distinção entre aquele que entendeu a sua condição de gente e o que existiu alheio
ao passar do tempo sobre as folhas ora amassadas, ora rasgadas, permanecendo
assim no princípio da vontade. Para este, amadurecer
é esquecer, é fixar os sentidos não no que angustia e move em direção a nada,
mas no presente vivo e cheio de promessas de felicidade. A razão, ensimesmada
no mundo dos sátiros, desdenha o aprendizado que a moral determina como adequado
àquele que joga luz no submundo dos impulsos. Ser de agora: este que atravessa o tempo em atenção apenas à
criança que foi sem nunca deixar de ser. Muitos com esse perfil são engraçados na infância, cômicos na juventude e debochados na velhice. É comum
familiares e amigos não respeitarem o velho debochado,
não levarem a sério o que ele diz e o que faz. Apesar do físico devastado e da
memória falha, basta um instante para reencontrar neles os impulsos para os
quais a idade avançada, segundo os manuais dos bons costumes, deve moldar. Mas este que não se deixa carimbar com
o selo do conhecimento, representa sem pudor no palco que os demais, lúcidos e
reflexivos, sobrepõem máscara sobre máscara. Viram as costas à luz de Platão, para quem a maturidade
desenvolve o conhecimento que adquirimos ao sair da caverna. O observador que compreendeu
a máxima do filósofo que separa a vida entre o mundo dos sentidos [inferior] e
o mundo das ideias [superior] vê a si mesmo sem compaixão e aprendeu a se esconder
dos menos atentos aos vícios da vergonha invisível,
ou seja, da paixão impulsiva. É este conhecedor da escuridão [dentro] e da
luminosidade [fora] da caverna quem sustenta que pau que nasce torto morre torto. “Então todos nascemos torto?”, quer
saber o homem sensato para quem a
prática da disciplina alinha o troncho.
Mas o observador, irônico pela experiência de jogar as cartas marcadas, olha o homem sensato e responde: “claro que
não. Mas também não nascemos reto”.
Ana
Barros
Natal,
23 de fevereiro de 2017.