Não
saberia viver em Natal sem bater pernas pelas ruas e becos da Cidade Alta. Trinta
anos de trabalho no mesmo pedaço urbano desprezado pela capital da ostentação,
do modismo e dos Shoppings Center. Mas é entre a Rio Branco, Ulisses
Caldas, Coronel Cascudo, Felipe Camarão, Princesa Isabel e Beco da Lama que gasto
a sola dos meus sapatos à procura de algo de que necessito ou de um simples
encontro com algum conhecido para jogar conversa fora. Hoje entrei na Casa do
Cordel e encontrei o músico Dudé Viana, prosador maravilhoso que me faz rir sem
saber ao certo se o que ele diz é realidade ou ficção. É lazer dos mais
divertidos deixar-se levar pelo tempo entrando e saindo das lojas de
quinquilharias chinesas: tudo tão barato e precário, mas de uma intensidade estética
que poderia ficar horas contemplando os mensageiros do vento e a loja de
artigos indianos com seus incensos, batas, bijuterias, amuletos e uma infinidade
de vidros que me deixam louca com as formas e o colorido diverso. Me
deslumbro e vou em frente, pois o que me interessa de verdade é livro. E nada
mais atrativo para uma passante de becos do que os sebos. Não sou de frequentar
livrarias, nem de comprar tudo que é lançamento. Aliás, contamos em Natal as
livrarias que realmente instigam à nossa entrada. As poucas que há parecem mais
templos de autoajuda. É literalmente fútil a entrada em livrarias de Shopping.
São encadernações lustrosas, com títulos chamativos e de autores obscuros que
da noite para o dia viram celebridade. Gosto
de visitar e adquirir livros em sebos, tanto da cidade quanto pela Internet,
pois é aí que ainda encontramos obras que não vemos mais no mercado de autores
descartáveis. E foi assim que, há muito tempo, esbarrei numa mesinha cheia de
livros velhos na calçada da Vigário Bartolomeu, secavam das goteiras da noite chuvosa.
Vi logo em cima das pilhas úmidas e mofadas o título “Livro de Poemas”, de Jorge
Fernandes, uma edição da Fundação José Augusto. Comprei por um real... Jamais
havia lido algo semelhante. Por que meus professores não falaram desse
modernista do Rio Grande do Norte? Quis me zangar, mas já era tarde para o
gesto. Melhor ler e conhecer os poemas daquele que tão bem expressou o
seu tempo, o seu lugar, os homens, os animais e os costumes da época, décadas
de vinte e trinta, cujas transformações ainda se aprofundam e causam, não mais
espanto com suas máquinas e caos urbano, mas indiferença para com uma linguagem
e uma poética que podemos chamar de contemporânea.
Ana Barros
Natal, 15 de janeiro de
2015.
MODERNO...
Tomou o martelo pesado todo
cheio de barro
E tocou a destruir todo o
verso bem feito...
Malhou nas ogivas dos
decassílabos: - tá! tá! tá!
E os pedaços de cornijas
caíam pelo chão relvoso
Numa monotonia de pedaços de
cornijas...
Fez cair todas as flores de Liz
que corneavam as janelas.
E sobre o montão novo de
ruínas de versos sonoros
Começou a viçar toda a
vegetação alegre da terra:
Pés de jurubeba, canapuns,
pinhões se erguiam...
E flores que ainda não foram
vistas: azuis – amarelas – vermelhas –
pintadas.
As folhas viçosas dos
mata-pasto...
Lagartixas... Calangos num
sim-sim de cabeça se estiravam
Ao sol gostosamente
quente...
Melões-de-são-caetano
enfeitavam todo o basculho
Da arquitetura colonial...
Jorge Fernandes
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