É quase regra ouvir aonde vamos, ou estamos, que não há felicidade no
homem. Colaborando com isso, grande parte da literatura, da filosofia, e todas
as religiões, estão permeadas de melancolia e pessimismo. Parece até que, sem
tristeza, não se pode ter arte, tão pouco vida. Uma das querelas mais apaixonantes
e significativas da modernidade é a relação crítica entre o pensamento afirmativo
de Nietzsche e o pessimista de Shopenhauer e Wagner, os quais, apesar da
admiração profunda do primeiro, não conseguem sentir o mundo sem o fantasma da
metafísica. E foi rompendo radicalmente com o ideal, que o filósofo de "humano, demasiado humano" nos leva ao contentamento na
afirmação do existente com toda a sua complexidade e dor. Mas o que tem a ver este
assunto com o título do texto? Tudo.
Pois bem, foi com a necessidade “nietzschiana” de alegria que aproveitei a rubéola do meu neto Heitor para tirá-lo da cama, do hábito de assistir televisão quando não está na escola e falar da importância da brincadeira como motivadora da felicidade que aniquila o desgosto com o devir. Heitor tem sete anos e Bento, seu irmão, dois. Bento morde e belisca Heitor, que não pode se defender por ser mais velho. Então eu disse, “fora do quarto, os dois, vamos brincar, na sala”.
E quanta bagunça de bolas misturadas a carros, guitarra luminosa, velocípede, vozes, gritos, riso e choro. Bento ensaia encrencas. Heitor ensaia chutes. D. Rosa, a outra avó, mexe as panelas do jantar e tem de segurar o liquidificador que quase caiu de uma bolada de Heitor. Do meu lado contorno os conflitos e ensaio, também. Bento agarra minhas pernas e Heitor deita no meu colo... Aí é hora de contar um conto: “Meninos, vocês sabiam que criança que brinca é adulto feliz?” “É?” surpreendeu-se Heitor. “Sim!” afirmei falando da minha experiência de menina solitária que teve como brinquedo as bonecas de pano, que até hoje faço, o espanador de sisal, cujas fibras trançava e transformava em boneca, os pés de milho com seus brotos dourados, ou ainda as vassouras de palha que, na imaginação fértil de criança, tinha-as como comadres e vizinhas de bate-papo.
Aliás, conversar com as vassouras magras e os pés de mamão macho, aqueles com frutos pendurados, pois achava-os idênticos a mulher e não a homem, livraram-me não da loucura mas de casar com o primeiro que apareceu com a primeira menstruação e reforçaram desde cedo o meu contentamento com a vida. “Bem meninos, agora é hora de guardar os brinquedos, jantar e dormir. Amanhã volto aqui de novo, certo”? Bento aplaudiu e me deu dois beijos. Heitor, de cueca, pintado de rubéola e pasta d’água disse com um sorriso feliz, “venha mesmo, vó”.
Ana Barros
Natal, 11 de setembro de 2014.
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