Houve
um tempo, não muito longe, que era norma da Igreja católica
homens
e mulheres confessar seus pecados ao vigário individualmente
e de
joelhos, num confessionário, este, móvel projetado para esconder o padre
em seu
interior, deixando apenas uma janela vazada para instigar e ouvir, sem
ver,
o pecador, ou pecadora, chafurdar suas misérias. A partir da década
de
1970, a Igreja tomou ares mais modernos dando início algumas
reformas.
E uma delas foi abolir a confissão individual e, consequentemente,
aposentar
o confessionário, por sinal muito charmoso não fossem as manchas imundas
dos pecados induzidos por mentes doentes aos pobres fiéis transidos de
culpa. A atitude da Igreja católica desagradou a muitos religiosos,
principalmente àqueles ortodoxos do Nordeste que acreditavam só nas exortações
e conselhos do padre Cícero do Juazeiro, Ceará, e do frei Damião de Bozzano,
italiano cuja longa vida teve como pátria o Recife. Enquanto os dois viveram,
as estradas de barro foram trilhas de milhares de viagens de romeiros, a maioria
camponeses, em paus-de-arara, montados em burros, em que o percurso durava
semanas, com muitos preferindo ir a pé para a penitência ser ainda maior. Frei
Damião não tinha um território fixo como Cícero tinha o Juazeiro. Semelhante a
qualquer líder messiânico que arrebanha multidões sofridas de terras inóspitas
e das garras de coronéis e políticos cruéis que fogem uma hora da seca, outra
de enchentes, o frade
capuchinho,
como era carinhosamente chamado por seus seguidores, pregava
a
sua doutrina, a qual se resumia a lançar bordões de culpa e castigo sobre
aqueles que ousavam viver conforme seus impulsos vitais, nas históricas “santas
missões” por onde andava. E era nas “santas missões”, de posse de um crucifixo,
um cordão de São Francisco e muita água benta para enxotar o demônio, que
homens e mulheres tementes a Deus e que só acreditavam na confissão de seus
pecados ao “santo frei” acorriam em massa aonde o furibundo Damião fosse. A
fúria contra Lúcifer era tanta na pregação do capuchinho que muitos devotos
tremiam de medo só em ouvir as histórias sobre os sermões que o frei pregava às
multidões. São folclóricas as exortações às prostitutas, aos amancebados, às
mulheres que evitavam filhos e às “comadres” que as incentivavam tomar a pílula
contraceptiva. Toda essa malta estava, nas palavras do frei de Bozzano, condenada
a arder no fogo eterno do inferno. O medo e o terror da materialização das
palavras do religioso no imaginário de pessoas que mantinham com o divino uma
relação submissa e cativa faziam com que perdessem o orgulho próprio e se
vergassem aos pés do baixinho corcunda para confessar os pecados mais
“cabeludos”, porque os mais bestas, como não rezar o terço todos os dias, negar
uma esmola, dizer uma mentirinha aqui outra ali, cobiçar a mulher do próximo
etc., etc., como sendo de pouca monta, desprezavam na confissão coletiva da
missa de domingo, isso após deixar uma oferenda generosa ao santo padroeiro para
que este limpasse a sua barra, do pecador, junto ao Senhor no dia do Juízo
Final.
Ana
Barros
Natal,
04 de agosto de 2014.
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