domingo, 19 de janeiro de 2014

URUBU REI

Já me encontrava gasta nos gestos
quando vi o buraco onde escondi o pior
Mas você que afina vida à morte
sempre tão sujo era o melhor
Ajoelhado aos meus pés empoeirados
acariciou-os com a língua quente e sebosa
Quantas vezes depois do banho com o sabão de lavar o cachorro
e a naturalidade de quem escolhe o tecido mais fino
você apanhou do varal a estopa de limpar o chão e
escovou os cabelos com o esfregão do banheiro
À mesa lambeu os dedos arrotou e palitou os dentes com o garfo
Tortura e vergonha de Kafka...
Mas diferente de K
Você
que atravessou a cerca de Sempre-Vivas
comeu o animal que desconhece as regras
E cheio de Qorpo Santo  
mil vezes agradeceu à mãe de todos os loucos
a seiva bruta que escondeu dos lobos  
E mil vezes ainda agradece à carniça o pedaço podre
indiferente ao açougueiro de luvas de cetim
e avental de ouro

Ana Barros

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