Apesar
de toda tecnologia do mundo virtual e positivismo de um homem saturado de
ciência e objetos de consumo, através dos quais pensa viver no "melhor dos mundos", há uma
vivência paralela, à margem e bombardeada pelos fragmentos desorientados e às
vezes loucos que são jogados sobre quem vai passando ao largo. Para livrar-me
da descarga venenosa pensei: aonde buscar o antídoto? Noutro tempo, não muito
longe, procuraríamos o curandeiro, a benzedeira e a cartomante para os banhos
de sal grosso, de ervas, adivinhação do futuro e a promessa de cura com ramas
verdes, murchas à medida que iam surrando a imundície que emporcalhava
corpo e espírito. Porém hoje...
É bobagem achar que as coisas mudaram com a chegada das redes sociais, principalmente do Facebook, que nos dão a ilusão de que somos altamente bem informados e resolvidos, não carecendo mais de patuás nem de despachos em encruzilhadas, bastando para isso compartilhar com os amigos virtuais fotografias e informações nem sempre belas nem confiáveis. Pois bem, nunca se viu tanta mandinga, catimbó, patuá, pai de santo e terreiro como nos dias atuais.
Diante
de um tempo conceitual ao extremo, que apenas passa o dedo sobre a tela e o aparelho
vai fazendo e definindo tudo, cabe aqui a pergunta: para quê o místico se a
frieza da máquina nos salva das crises existenciais próprias de um romantismo cujos ídolos e mitos não só estão mortos como ultrapassados? Porém, a
realidade paralela à virtual diz que homens e mulheres continuam sentindo e sofrendo
igualmente a todos os seus antepassados, pois, apesar da sofisticação de hábitos cosmopolitas, cuja massificação dá a ilusão
de que todos são iguais, continuamos humanos, sozinhos, frágeis, doentes,
carentes e mortais.
Arrastada
pela onda que leva todos, até mesmo
os mais reacionários, me vi diante do artesão cabeludo da Praça Padre João
Maria, espaço famoso de Natal pela aura não só mística como também hippie dos
anos oitenta, pedindo socorro para que me ajudasse limpar o lixo que emaranhara-se na minha cabeça
ainda com fios de cabelo amarrados ao museu dos costumes. Com voz pausada de
guru baiano ele disse: "Você não deve olhar o lixo
de frente... não o encare jamais!” Sua ênfase lembrou o mito de Perseu na
versão de ítalo Calvino: “Para decepar a
cabeça da Medusa sem se deixar petrificar, Perseu se sustenta sobre o que há de
mais leve, as nuvens e o vento; e dirige o olhar para aquilo que só pode se
revelar por uma visão indireta, por uma imagem capturada no espelho”. Qual
é o seu signo, jovem?" "Libra", respondi. "A sua pedra é o
citrino, esta aqui." Mostrou-me um lindo amuleto pendurado num cordão
preto e o amarrou no meu braço contra os olhos do monstro que porventura viesse
em minha direção.
Gostei
da elegância do artefato preso acima do pulso, o que me fez chamar a atenção para a
mesma prática em corpos de crianças nordestinas e, bem recente, na cabeça de
meu neto Heitor que, por orientação de um remanescente da cultura africana, experimentou
o que foi comum em bebês para sobreviver às intempéries da natureza e à maldade
dos homens, estas, em tudo iguais umas às outras. Para isso, colava-se uma
trouxinha de alguma mistura semelhante à cera de abelha numa das mechas do
cabelo do pequeno ou amarrava-se o patuá num cordão e pendurava no bracinho ou
no pescoço do recém-nascido. Não sei se interferiu em alguma coisa na existência
de Heitor e dos demais meninos e meninas nordestinas. Sei apenas que continuo
com o meu amuleto preso ao braço em posição estratégica contra o mau-olhado.
Ana Barros
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