Uma das lições mais admiráveis do budismo é a
prática do desapego. Exercício que não é para qualquer um uma vez que requer do
espírito disciplina no contentamento com nada.
Um exemplo do quão difícil é desfazer-se das coisas materiais e atingir o nirvana é contemplar uma casa velha e abandonada.
Passamos por ela e lembramos que ali nascem, vivem, lutam e morrem gerações inteiras,
todas, direta ou indiretamente, com apego àquele imóvel que, querendo ou não, deixaram
para trás com a chegada da velhice, da civilização ou da morte.
Com o passar dos anos os donos também passam. São
outros os apegos e tradições e o velho verga-se para dar passagem ao novo. Este,
na ilusão de ser eterno, vira as costas ao passado moribundo de beira de
estrada ou dos fundões de alguma região, a qual é questão de tempo ser
descoberta por especuladores. Se não fosse assim não haveria os grandes centros
com suas torres de concreto batendo no céu como a esnobar dos mortos esquecidos
no monturo de demolição cá embaixo.
Duas vezes ao mês faço o mesmo percurso rumo ao sebo
Cafundó Café & Arte, em Jaçanã (RN), e passo em frente ao sítio de um tio
avô, Zé Casado, na comunidade Riacho Salgado, entre Santa Cruz e Coronel
Ezequiel (RN). Fico olhando pela janela do ônibus a tapera, cuja destruição se
aprofunda a cada dia e temo pelo desmoronamento total antes de registrar algumas
fotos do espólio. Mas graças à última viagem ter sido feita com meu irmão Deda Barros,
pude descer do carro e fotografar o imóvel de tio Zeca e de sua mulher Zefa,
falecidos de velhice em residência fixa na cidade. Os filhos, netos e bisneto
deixaram a propriedade para trás e foram também viver em centros urbanos. Hoje não
se sabe quem são os donos da terra com o casebre insistentemente de pé, pois
caminha para o seu segundo século mesmo com a estrutura capenga.
Quem conheceu a família que ali chegou, habitou e
construiu uma história de amor à terra, ao homem e aos pertences, isto é, de apego
do mundo, percebe que, apesar de tapera, aquele imóvel ainda é casa, haja vista
a memória ressuscitar o tempo.
Ana Barros