Amarrava o saco quando num impulso disse a Tânia que parecíamos os resíduos ali despojados e que imaginamos jogar fora sem guardar o mais insignificante dos vermes e que, depois de arremessado, estufamos o peito e orgulhosos começamos de novo a encher. Ora, ora – ela disse rindo o risinho cínico de quem conhece o ilimitado poder da higiene – comigo não! O meu saco eu jogo fora e dele não guardo nem o cheiro. Oh – eu disse – um dia terás o teu saco de volta e atirado no rosto com a fúria de um soco. Mas eu não sou você, que vive fuçando o monturo. Jamais vou deixar que um verme roa minha carne pela segunda vez, respondeu com exatidão. Não será o mesmo... Será um verme mais estranho e poderoso, daqueles que quanto mais esmagamos com o pé mais ele retorna forte, robusto: assim..., disse apontando a larva branca, gorda e peluda que furava o couro podre do rato, cuja carniça eu encontrara no Laboratório e acabava de enfiar no saco. Lá vem você com suas comparações nojentas. Não pode esquecer por um segundo que o que fazemos é apenas experiência e que temos o poder de interferir nos resultados? Quase gritei: Resultado de experiências jamais leva em conta o verme que pulula dentro do saco, que se esconde no subsolo. Interessam só as lâminas assépticas. E ela: E daí que as lâminas assépticas sejam as preferidas? Por que esta insistência com o que é podre? Daí que é um blefe essa conversa de preferidas, de higienização pois o que há é apenas intervalos entre o saco jogado fora e o saco que mais uma vez retorna cheio, mesquinho e insistentemente viscoso, concluí enquanto num gesto teatral agarrava com a pinça o último tapuru e o levei quase a tocar o rosto de Tânia. Posso viver sem intervalos entre dois sacos absurdos, ela disse dando um salto para trás. Basta um movimento assim... Ou então um salto sobre o último verme, disse fingindo abocanhar o tapuru. E impaciente com a conversa ela acrescentou: Por que devo suportar esse argumento de saco vai, saco vem? Por que não acabar de vez com essa sujeira e arranjar-se com o que há de mais limpo e perfumado? Será que Napoleão perdia tempo em encher e secar o saco? Considerei a questão e percebi que jamais em toda a minha vida eu passara um dia sem receber de volta o saco cheio e perguntei satisfeito: Será que Napoleão, estrategista de esconderijos, não deu ordens aos seus soldados para interceptar o saco e atrair o verme?
Ana Barros
domingo, 18 de setembro de 2011
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Dezembro
Dezembro é um mês úmido: tudo amolece com o calor e os sentimentos dos homens. Foi assim que me senti na tarde de 24 de dezembro quando fui ao Shopping comprar o presente de Ana. Esbarrei a todo instante com alguém que me dizia como se me conhecesse há décadas: Feliz Natal! O riso superficial e a frase vazia me deixaram também úmido. Minhas axilas transpiravam e percebi duas manchas enormes na camisa de brim azul. Merda! Minha camisa nova manchada... Olá, Vicente! Era Lúcio que gritava vindo em minha direção com o carrinho cheio de champanhe e frutas europeias, ia cear na casa de Marta. Feliz Natal, Vicente, disse apertando minha mão com entusiasmo cristão. Odeio Natal, disse afrouxando o aperto de mãos caloroso. E eu amo, retrucou. Mas... por que? eu quis saber. A gente fica mais humano... suspirou empurrando o carrinho em direção ao estacionamento. Rangi os dentes e senti que quebrara os ovos que trazia nas mãos. Imbecil! Disse baixinho entre dentes quando ouvi alguém dizer: Falando sozinho, Vicente? Era Magali... Feliz Natal, querido! disse correndo para entrar na fila do caixa. Gostei da agitação, evitava o mau-humor da resposta. Desculpa a pressa, Vicente. É que ainda vou ao salão, depois vou pegar o João no escritório e ainda levar Júnior na casa da namorada. Tchau e um beijo na Ana, ela tá bem? Não precisei responder. Aliás, eu nunca respondia a essa pergunta de Magali, não dava tempo. Olhei de novo debaixo das axilas, não havia mais umidade mas uma mancha fedida do tamanho da cavidade do braço. Merda! Como vou abraçar Ana? Paguei o vinho, os cigarros, as camisinhas e a lingerie de Ana. Dezembro é realmente úmido... pensei acariciando o tecido vermelho e macio da calcinha.
Ana Barros
Ana Barros
domingo, 4 de setembro de 2011
Eva
Tentei esquecer o dia que engendrou
a cria do parto:
Aí me arrasto e perco de vista
Mãe-sangue
Mas que engano...
Imortal assassina cruel Ela vê tudo e tem ódio
do passo que passa que repassa que passa que re...
... Ai de mim que volto...
O grito do meu infortúnio provocou riso
na boca banguela que engole
Procurei em meu esconderijo algo
que pudesse vingar-me
Num salto
atravessei a rua
Ana Barros
a cria do parto:
Aí me arrasto e perco de vista
Mãe-sangue
Mas que engano...
Imortal assassina cruel Ela vê tudo e tem ódio
do passo que passa que repassa que passa que re...
... Ai de mim que volto...
O grito do meu infortúnio provocou riso
na boca banguela que engole
Procurei em meu esconderijo algo
que pudesse vingar-me
Num salto
atravessei a rua
Ana Barros
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