Não
toquei na arte, eu, que tenho os moldes da minha avó-feiticeira. Foi com eles que apaguei os pigmentos da tatuagem de
sangue. Tenho lembranças. Elas vêm, desenham e vão embora. É tempo de medo. E vem
a necessidade de recorrer à minha avó
com seu olho baço de juízo. É a imagem assentada da mulher velha ao pé do fogo
em dias de raios e trovoadas que acalma quando ensurdeço ao meu próprio grito. Não
encontro sinal a não ser o da minha avó
armada de natureza no tempo sem o movimento no qual desmancho. Arrastei-me em
confusões nas quais lambi mel e dor. Porém a carcaça expôs o esconderijo das recompensas
malogradas: enigmas foram desvelados. Assim se estendeu a paisagem do meu
nascimento à morte, da libido encarnada à solidão branca. Não conheci a minha avó jovem. Velha a vi desde sempre e de
sua frieza fiz um avatar. Nela, a idade crescida formou encouraçado contra fluxos de mesmo:
a minha avó conhecia ressacas... Contudo,
bastava vê-la à noite com a varinha a
encantar os corvos. Longa intimidade com a minha avó-feiticeira. E se quebro à hora ela reaparece jovem e goza ao
dizer: “de novo!”. Aí me faz carregar
a pedra acima, rolar a pedra abaixo. Uma pedra com desafio de erguê-la ao cume
sem jamais chegar. Uma pedra áspera que me obriga querer peso leve, queda
retorno. Subida, descida, ao infinito riacho... Eu: “Saberei frear a liquidez do ralo”? Ela: “Congela. Queima.”. Minha avó,
feiticeira e assassina de feitiço.
Ana
Barros
Natal,
10 de janeiro de 2019.