Uma das imagens mais
fascinantes de uma garota do interior na década de 1970 era a bailarina de
circo. Não sei o motivo pelo qual chamavam as lindas moças de sainha
"bunda rica" enfeitada de babadinhos e lantejolas multicoloridas, de
"baianas". Fui muitas vezes ao circo mambembe, que aportava nas
cercanias do mercado público, apenas para ficar admirando o rebolado das
atrizes em cima dum palco de tábuas precário, onde um sanfoneiro acompanhado do
pandeirista davam os breques necessários à dança sensual da performer. Olhava
para mim, àquela época com uns 10, 12 anos, magrela, sem cintura e sem nenhum
daqueles atributos que deixavam as moças lindas para o deleite dos rapazes da
cidade e sentia uma inveja mortal.
Guardei até
recentemente o desejo de subir num palco, vestida com o luxo dourado de uma
"baiana" e cantar com as lágrimas a descerem pelas faces num transe
de paixão não consumada. Hoje, no entanto, já não tenho mais tal vontade, mas o
desejo de decorar, enfeitar os cômodos da casa com aquilo que não pude, ou não
me foi permitido realizar, a exemplo de muitas contemporâneas que,
experimentando a repressão sexual de pais autoritários vindos da roça para
educar as filhas na cidade, cujo guia pedagógico era a chibata e o
espancamento, ganharam os palcos e os seus homens livres, pelo menos da enxada
e da obrigação de servir um pai déspota.
Muitas moças fugiram
com atores de circo para concretizar o que eu não me permitia devido o medo ser
maior que a vontade. Porém, como tudo no monturo psicológico um dia vira pó,
pelo menos naqueles que não se deixam apodrecer, seja realizando ou sublimando
o desejo de alguma forma, depois de 40 anos encontrei não o palco de um circo
ou cabaré para dar vasão ao meu recalque, mas um objeto que trouxe para o meu
quarto e o transformei num porta-acessórios digno de qualquer camarim de
bailarina de circo ou atriz de cabaré. De um molde vasado, recortado em
madeira, encontrado por acaso na lixeira em frente da rua, fiz o suporte para
as lantejolas que brilham longe de uma época e tão próximas da
"baiana" de circo que ainda sou.
Ana Barros