Talvez para a grande
maioria das mulheres cause inveja não poder, como as artistas famosas e outras
celebridades do mundo da mídia e da moda, fazer uma plástica depois dos quarenta.
Digo depois dos quarenta, pois é aí que nos damos conta de que existe o fator
tempo, até então ignorado sob o império da rigidez da carne e a ilusão de
eternidade na qual a juventude desliza impulsiva e erotizada.
Não conheço outra
evidência mais circunstancial do prenúncio da temporalidade do que as marcas do
tempo cravadas em nosso rosto de meia idade. Infelizmente, quase todas nós
desejamos apagar qualquer vestígio desse companheiro de viagem. E nada melhor
do que recorrer à plástica, cuja prática desmancha as impressões externas de nossas
experiências de mundo.
Falo da mulher porque ela é, heroica ou indiferente, quem tem o
privilégio de saborear de forma diferente do homem as ilusões e fantasias que a
vida oferece. Apesar do cotidiano pragmático já bem equiparado ao masculino, permanecemos
investidas de sentimentos e sensações comparadas em sua amplitude e
ambivalência ao ritmo irregular da natureza. Apaixonar, desiludir, amar, esquecer, enfim,
viver muitas experiências, milhares de vezes, cada uma como se fosse a última e
descobrir espantada que sempre é igual à primeira vez: tudo acaba. Engravidar,
parir, educar os filhos... divorciar, enviuvar ou acostumar-se a um casamento
frio. Vestir-se de autoridade sem deixar de ser amiga, sensível, companheira.
Compreender. Silenciar. Amansar a voz, aceitar as diferenças e falar com os
olhos. As mulheres são vistas assim.
Lembro de uma crônica de
Afonso Romano de Sant’ana, A mulher madura,
na qual lamenta o marido não ter paciência para conhecer esta mulher. Na
plenitude espiritual, que coincide com a menopausa, a serenidade, a libertação
dos desejos sexuais, uma vez que nessa idade a mulher se surpreende com uma erotização
livre da moral e dos valores sacralizados pela família e a igreja, o homem vai
embora deixando para a mulher colher o melhor que a vida pode dar: o retorno a
si mesma.
Mas voltando à tendência humana
de negar o tempo gasto, que fazer das cicatrizes internas, invisíveis,
profundas, que nos fizeram maduras e indivíduos no correr do tempo? Ora, o
passado serve justamente para lembrar que o instante só existe através dos seus
fragmentos. No entanto, teimamos em desdenhar
o espelho real, pois é feio, duro, desumano. Preferimos o espelho da fantasia
negando toda uma história que, sem ela, não teríamos existência alguma.
Portanto, é isso que acontece quando estiramos as marcas do tempo no rosto e
exigimos a mesma cara dos vinte anos. Queremos apagar a existência consumada,
ter o tempo de volta. Podemos fazer isso?
Digo que não seria capaz
de uma proeza tão fantástica, impossível mesmo para quem se tornou cúmplice do
tempo. Já saí da casa dos quarenta. Tenho todas as marcas anunciadas da velhice.
Nunca as quis nem pedi, pois não as conhecia. Mas chegaram com os quarenta e
hoje não sei pensar, agir, sorrir, olhar, sem aquele algo estranho, diferente,
racional, grave que se imiscuiu em minha interioridade. Quando lembro dessa chegada, me vêm à mente os versos trágicos
de Fernando Pessoa: Estou hoje vencido,
como se soubesse a verdade/ Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.
"Vencido" e "lúcido". No entanto, só quem experimenta esse
conhecimento sabe a dimensão de ser vencido,
despojado das armas e dos cuidados
com valores que envelheceram e não representam mais nenhum poder. Lucidez do momento extremo e paradoxal entre
um intervalo (pretensamente jovem e eterno) que expira, e o outro (maduro e
conhecedor do fim), que se anuncia sabendo de antemão o limite.
O conhecimento da verdade, e que nada podemos fazer para
ser diferente, é o que temos de maior ao atingirmos à maturidade. Longe de ser
um elogio à derrota, mas amor a todo o passado, amor a todo o presente e ao futuro, até mesmo saborear a derrota inevitável que não se verga diante do novo que irrompe vigoroso. Mesmo com o ar cansado dos olhos, a pele já amolecida e os cabelos mesclados de
branco, quando temos o privilégio de compreender o submundo do devir, somos
agraciados com a leveza dos vinte anos. Conhecemos o amor, o belo, a doçura, a
melancolia... sem cair no sentimentalismo que empobrece. Se temos filhos,
quanta graça. Eles passam a ser o que fomos na idade deles e nós, agora refletidos,
reavivamos os sentimentos dessa época inquieta e utópica, só que desta vez (ainda inquieta) com a lucidez do eterno círculo. Aí podemos compreender nós
mesmas, a criança, o jovem, o velho e as demais coisas ao nosso redor, pois que
aprendemos com o melhor dos amigos, o mais áspero e o mais generoso dos amigos:
o tempo.
Ana Barros