Hoje depois de vomitar o que comi em casa pensei: há plenitude no meio dos lobos O sangue não corrompe o animal O rosto de mamãe tem expressão de santa Papai e mamãe... Papai mamãe e meus irmãos... Culpa redenção culpa... Alguém mostra a Lei e diz temos laços E você pergunta: pode o lodo ter a magia da Esfera que não para senão pra começar tudo de novo pois não se sabe pai, pois não se sabe mãe filho ou irmão, e sem os laços que manipulam saltar sobre o precipício? Pode,
digo desatando a corda
Ana Barros
quarta-feira, 29 de junho de 2011
domingo, 19 de junho de 2011
Os semelhantes
Deixei o auditório ainda cheio. Saí mais cedo, confesso, pela incapacidade de permanecer ali apesar de saber que naquele espaço havia todo tipo de vaidade, paixões, inveja, bajuladores e disputa velada na exibição de símbolos da moda como computadores, móveis, jóias, obras de arte, carros, roupas e acessórios caros, todos esses elementos podendo servir de assunto para um texto rico de miudezas e futilidades. Aliás, saía porque conhecia as entranhas do ambiente e nada do que diziam ou exibiam estimulava uma imaginação corrompida pelo cinismo como a minha.
Como repórter de cultura chafurdava já há bastante tempo no submundo daquela gente cuja vaidade os fazia semelhante a atores de circo representando para plateias deslumbradas, ou então, por excesso de cegueira, alheios ao que o outro diz, sente e pensa. Nesse sentido, alguns cochilavam, alguns falavam ao celular, outros deslizavam os dedos pelo tablete e uns dois ou três, o que, num lugar silencioso parece ter efeito de multidão, sussurravam e riam entre dentes. Diante da apatia generalizada, nem mesmo a ira de alguns intelectuais sisudos que saíram antes de mim, conseguiu humilhar os palestrantes, aplaudidos de pé sem que ninguém soubesse por que.
Saí sem ser visto. Aliás, era impossível alguém dar pela minha falta quando não é comum em ambientes carregados de pompa, dar pela ausência de um jornalista ranheta que tudo faz para queimar a pauta e tripudiar do ocorrido nas entrelinhas malignas que vai editar no outro dia numa coluna elegante e lida por leitores cultos, aqueles que compram jornais e acham que são bem informados lendo artigos criados por indivíduos como eu que escreve rangendo os dentes e cuspindo a bílis.
Saí quase correndo com receio de fazer barulho e alguém me ver feito um rato esgueirando entre as poltronas e as lindas pernas das damas de sociedade. Chovia forte e já passava das vinte e uma horas e eu tinha de redigir muitas laudas para o caderno especial cujas páginas seriam exclusivas do Colóquio daquela noite.
A pista estava deserta e escura. O transporte não passava e para meu desespero o debate chegava ao fim. Não pude evitar o constrangimento quando alguns colegas da TV Y passaram por mim gritando adeus J de dentro do carro com vidros levantados e em alta velocidade. Aliás, todos foram embora em alta velocidade deixando para trás apenas a vaidade gravada e transformada em textos, fotos e imagens exibidos na Internet, na TV e no rádio como a última conquista da ciência. Pensei na montanha de papel ricamente editado, distribuído e jamais lido, jogado sobre as poltronas e os tapetes, cujo lixo agora era varrido pelos zeladores silenciosos e apressados que sequer tinham a curiosidade em saber de quem era a cara sorridente e cheia de botox da fotografia.
Resolvi apesar da hora avançada e do perigo iminente caminhar um pouco e apanhar o ônibus mais adiante, pois havia um posto de combustíveis a uns duzentos metros e lá, com certeza, haveria de ter um fluxo maior. Desejei que alguém passasse ali naquele instante para me fazer companhia. E olhando para os lados vi duas mulheres que se aproximavam. Esperei por elas e as segui. Pareciam pedintes de meia idade, cheias de farrapos e grandes sacos pendurados nas costas, talvez sejam catadoras de recicláveis, pensei considerando ser mais criativo me aproximar das duas uma vez que a conversa poderia resultar numa matéria bem mais interessante do que a que deixara para trás.
Andava com pressa e remoia o mau humor por ter demorado tanto tempo sem tomar a decisão de ir embora e agora caminhava na pista deserta, molhada e correndo risco de ser assaltado ou atropelado. Estava entre duas estranhas cujo aspecto era completamente oposto ao dos colegas que deixara para trás. Mesmo assim, fiquei feliz em encontrá-las. Além de ajudar a apanhar o ônibus com mais rapidez podiam ser, ao contrário dos companheiros de debate, uma possibilidade fraterna naquele deserto em que me encontrava só e ressentido. Puxei conversa. Fiz várias perguntas e não obtive nenhuma resposta. Logo veio a confirmação de que avaliava quando deveria apenas seguir as duas mulheres em silêncio, pois meu objetivo não era fazer entrevista nem amizade, mas sair dali o mais depressa possível. Infelizmente não consegui controlar os impulsos nervosos de repórter tagarela nem o desejo de agradar minhas companheiras. De novo a indiferença. Pensei: elas não são diferentes daqueles que eu deixei para trás com tanto desprezo...
Insisti mais uma vez e perguntei se iam na mesma direção que eu. Sem responder, a mulher de semblante desconfiado olhou por baixo dos olhos papudos de álcool e cheios de malícia, desprezo igual ao meu quando abandonei o debate e saí correndo para não ser visto. Pediu dinheiro. Não tenho! respondi apressado e enfiando mecanicamente a mão no bolso e apertando meus R$ 10,00. Sem nenhum constrangimento, como igualmente agiram os colegas ao saírem em disparada em seus carros fechados, ela atravessou a rua e foi embora na escuridão profunda. De longe, ainda chamou com um grito a amiga, mas esta, de olhos baixos e sem expressar desprezo, parecia realmente preocupada comigo e não me deixou sozinho no meio da pista. Não perguntou nem pediu nada. Andou em silêncio até o terminal do ônibus onde embarquei molhado, com fome e derrotado.
Ana Barros
Como repórter de cultura chafurdava já há bastante tempo no submundo daquela gente cuja vaidade os fazia semelhante a atores de circo representando para plateias deslumbradas, ou então, por excesso de cegueira, alheios ao que o outro diz, sente e pensa. Nesse sentido, alguns cochilavam, alguns falavam ao celular, outros deslizavam os dedos pelo tablete e uns dois ou três, o que, num lugar silencioso parece ter efeito de multidão, sussurravam e riam entre dentes. Diante da apatia generalizada, nem mesmo a ira de alguns intelectuais sisudos que saíram antes de mim, conseguiu humilhar os palestrantes, aplaudidos de pé sem que ninguém soubesse por que.
Saí sem ser visto. Aliás, era impossível alguém dar pela minha falta quando não é comum em ambientes carregados de pompa, dar pela ausência de um jornalista ranheta que tudo faz para queimar a pauta e tripudiar do ocorrido nas entrelinhas malignas que vai editar no outro dia numa coluna elegante e lida por leitores cultos, aqueles que compram jornais e acham que são bem informados lendo artigos criados por indivíduos como eu que escreve rangendo os dentes e cuspindo a bílis.
Saí quase correndo com receio de fazer barulho e alguém me ver feito um rato esgueirando entre as poltronas e as lindas pernas das damas de sociedade. Chovia forte e já passava das vinte e uma horas e eu tinha de redigir muitas laudas para o caderno especial cujas páginas seriam exclusivas do Colóquio daquela noite.
A pista estava deserta e escura. O transporte não passava e para meu desespero o debate chegava ao fim. Não pude evitar o constrangimento quando alguns colegas da TV Y passaram por mim gritando adeus J de dentro do carro com vidros levantados e em alta velocidade. Aliás, todos foram embora em alta velocidade deixando para trás apenas a vaidade gravada e transformada em textos, fotos e imagens exibidos na Internet, na TV e no rádio como a última conquista da ciência. Pensei na montanha de papel ricamente editado, distribuído e jamais lido, jogado sobre as poltronas e os tapetes, cujo lixo agora era varrido pelos zeladores silenciosos e apressados que sequer tinham a curiosidade em saber de quem era a cara sorridente e cheia de botox da fotografia.
Resolvi apesar da hora avançada e do perigo iminente caminhar um pouco e apanhar o ônibus mais adiante, pois havia um posto de combustíveis a uns duzentos metros e lá, com certeza, haveria de ter um fluxo maior. Desejei que alguém passasse ali naquele instante para me fazer companhia. E olhando para os lados vi duas mulheres que se aproximavam. Esperei por elas e as segui. Pareciam pedintes de meia idade, cheias de farrapos e grandes sacos pendurados nas costas, talvez sejam catadoras de recicláveis, pensei considerando ser mais criativo me aproximar das duas uma vez que a conversa poderia resultar numa matéria bem mais interessante do que a que deixara para trás.
Andava com pressa e remoia o mau humor por ter demorado tanto tempo sem tomar a decisão de ir embora e agora caminhava na pista deserta, molhada e correndo risco de ser assaltado ou atropelado. Estava entre duas estranhas cujo aspecto era completamente oposto ao dos colegas que deixara para trás. Mesmo assim, fiquei feliz em encontrá-las. Além de ajudar a apanhar o ônibus com mais rapidez podiam ser, ao contrário dos companheiros de debate, uma possibilidade fraterna naquele deserto em que me encontrava só e ressentido. Puxei conversa. Fiz várias perguntas e não obtive nenhuma resposta. Logo veio a confirmação de que avaliava quando deveria apenas seguir as duas mulheres em silêncio, pois meu objetivo não era fazer entrevista nem amizade, mas sair dali o mais depressa possível. Infelizmente não consegui controlar os impulsos nervosos de repórter tagarela nem o desejo de agradar minhas companheiras. De novo a indiferença. Pensei: elas não são diferentes daqueles que eu deixei para trás com tanto desprezo...
Insisti mais uma vez e perguntei se iam na mesma direção que eu. Sem responder, a mulher de semblante desconfiado olhou por baixo dos olhos papudos de álcool e cheios de malícia, desprezo igual ao meu quando abandonei o debate e saí correndo para não ser visto. Pediu dinheiro. Não tenho! respondi apressado e enfiando mecanicamente a mão no bolso e apertando meus R$ 10,00. Sem nenhum constrangimento, como igualmente agiram os colegas ao saírem em disparada em seus carros fechados, ela atravessou a rua e foi embora na escuridão profunda. De longe, ainda chamou com um grito a amiga, mas esta, de olhos baixos e sem expressar desprezo, parecia realmente preocupada comigo e não me deixou sozinho no meio da pista. Não perguntou nem pediu nada. Andou em silêncio até o terminal do ônibus onde embarquei molhado, com fome e derrotado.
Ana Barros
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Madalena
Hoje decidi ficar em casa Há quanto tempo não fico em casa... longe das palavras Sem barulho Sem dialética Em silêncio e na surdez beata saborear a solidão que enterrei na sala de jantar Estou sem voz e todos estão longe... Quis assim Sem ruído E como é bom alongar na cama nua e só Quantos olhos tive por perto adivinhando... Hoje estou nua e ninguém pra fingir que não estou nua Toco nas feridas sem sentir o odor Estão menos podres do que quando implorei a você cicatrizasse Perdi o nojo e hoje apalpo como pedaço nobre de mim Em casa e em silêncio deixei de ouvir os infortúnios que, somados aos meus, perderam eco Batem a porta... Gritam meu nome... Chamam... Alguém soluça... Conheço bem o gemido Por que não vou? Estou surda, e muda O grito é meu: um sopro sem forças pra derrubar... Tantas vezes morta por ele... Mas hoje o silêncio é sólido... e a flacidez da minha alma
Ana Barros
Ana Barros
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