sábado, 21 de maio de 2011

Perspectiva

Alguém passa estridente
Multiplica-se entre vitrines sois girassol
formas cliques fragmentos
Ao infinito pingos de cor
E a cor não conduz
o olho que desbotou em ver
floresta de pedra
o céu tingido de chumbo
Vagueia na multidão de coisas odores
ruas carros shoppings e miudeza chinesa
Não mergulhar na correnteza o grande Nó
A dor perdeu a gravidade
Deixou-se banhar de tintas
Virou imagem

Ana Barros

sábado, 7 de maio de 2011

Senhora do labirinto

Passava sonâmbula na encruzilhada quando
A boca amargou de vez e a alma verde se fechou
Perdia para sempre o poder de naufragar
No fosso onde tantas vezes caí sem ressurgir:
Compaixão de irmã amante e mãe
Deusa da mais precária realidade emergi
Do labirinto onde colhi os fios
E me enforquei ao ver o Sol

Ana Barros

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Delicadeza

“E abertamente entreguei meu coração à terra séria e doente, e muitas vezes, na noite sagrada, prometi amá-la fielmente até a morte, sem medo, com a sua pesada carga de fatalidade, e não desprezar nenhum de seus enigmas. Dessa forma, liguei-me à fatalidade por um elo mortal.”
Hölderlin (A morte de Empédocles)

É comum elegermos o ódio como sentimento perturbador e nefasto. Todo o nosso tempo tratamos de desejar, para nós e para o outro a quem admiramos, a ausência do ódio. Negamos mesmo o ódio como parte necessária à vida dando ao amor status substancial. O amor que nos redime da guerra, da dúvida e da incerteza. Nem que seja por um instante queremos amor, jamais o ódio, apesar de este continuar entranhado a confundir, a criar armadilhas.

O ódio é o sentimento que impele ao conflito, à batalha contra ou a favor de algo que ameaça ou favorece. Tomados de uma dose de êxtase mortal jogamos os dados e assumimos uma postura, certa ou errada, moral ou amoral, em favor exclusivamente de nós. O ódio é poder. Querer absoluto. Triunfo sobre o diferente, o débil, o fraco. Quem administra o ódio alimenta-se da ira que enrijece e afasta-se da confusão e do medo, valores desprezíveis para quem conhece o poder em si e limita seu território a alvos de alta precisão objetiva.

Para a acomodação de todos na terra vale aqui ressaltar que quem é mais afeito ao amor que ao ódio sabe que carrega em si alta dosagem de crueldade, dureza, ódio também, mas uma dosagem generosa de poder criativo, de poder redentor porque fragiliza, aniquila, compreende e abraça o feio, o cruel. Duro porque afirma a vida com todas as experiências positivas e negativas. Tem o ódio como etapa última a ser vencida nos momentos cruciais entre negar e afirmar o grande individualismo; negar ou afirmar o amor que faz do tédio a catástrofe e desta o paraíso; negar ou afirmar a desilusão como matéria para o advento de uma possibilidade concreta. Enxergar o amor como luta triunfal, realidade ou fantasia que morre para dar lugar a algo ainda não conhecido, ainda não fato.

Ana Barros
Natal, 07/03/03.