quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Diante do espelho

Compreender a história por meio de imagens que se fazem clássicas pelo conjunto de objetos, gestos e atmosfera da sociedade presa no tempo clicado, é o que Baudelaire considera como “moral e estética de uma época”. Talvez pela necessidade da indústria de consumo de trocar o novo pelo mais novo, ficou difícil julgar a moda de ontem e de agora quando aparentemente todos estão liberados para usar tudo, ou até mesmo de não usar nada. Porém, basta voltarmos a olhar fotografias que tiramos há cinco anos para ver o quanto mudamos. Ou reencontrar aquele parente que não vemos há década, a não ser pelas fotos antigas na tela do computador, e ser incapaz de reconhecer o homem que parece ter atravessado um século com a vulnerabilidade de seu modo de vestir e se comportar no curto período em que, igualmente aos seus contemporâneos, absorveu, mesmo involuntariamente, a moral e a aparência da época. Tanto o dândi quanto o homem do povo, o playboy ou outsider, o operário ou o vagabundo, todos os grupos constroem e reconstroem a história da superfície na qual muitos teimam em encontrar verdade para eternizar ciência, estética e fé. Apesar da rapidez com que descartamos coisas e modas, ainda assim produzimos história, uma história que falsamente não se deixa envelhecer por ser necessário adquirir um presente que proporcione mais satisfação e prazer. Aqui poderíamos falar dos recursos digitais da fotografia contemporânea, capazes de eliminar todos os vestígios impregnados de tempo de uma imagem. Baudelaire quando analisa a moral e o estilo de uma época em Sobre a Modernidade, refere-se à fotografia, pintura e desenhos de museu em Paris do século XVIII. Ele observa e analisa cem anos depois. Observa em torno do eterno e da transitoriedade produzidos e usados por homens e mulheres congelados em molduras num museu. Tanto a palavra eterno como transitório soam estranhas num mundo no qual há a ilusão de que o presente matou a insistente presença da morte com sua alquimia civilizatória.  Mas para os que, independente da liquidez do presente, continuam com a mesma percepção de tempo e existência finitos, haverá sempre cópias que se eternizam no belo e efêmero de uma época. Mesmo que seja por um ano, um mês, um dia, acharemos sempre que o que usamos no momento é o melhor, o mais civilizado e isento de ridículo, uma vez que é a expressão máxima do capital mundano. Esquecemos, pois, que todas as sociedades humanas tiveram o seu presente tão ou mais avançado que o nosso, uma vez que o novo já nasce velho por ser a repetição tantas vezes quanto existir homem e inteligência para reproduzir o mesmo. Da fricção de pedras ao chuveiro elétrico, dos fios rústicos aos tecidos elaborados, do sabão artesanal ao sabonete processado, homens e mulheres estiveram, e sempre vão estar, recriando e enterrando tecnologias finitas que os fazem querer eternos. Na ação e vaidade de seus atos encontram o belo necessário à existência precária. Engana-se quem acha que a moda atual, por ser pensada por profissionais qualificados em universidades de moda e designer não é uma reprodução de ontem e que amanhã pode ser observada como descartável, risível. Olhando a foto que ilustra o texto não podemos deixar de admirar a elegância do Senhor que se olha no espelho do porta-chapéus, móvel tão fora de moda quanto os acessórios nele postos, chapéu e guarda-chuva. No entanto, a imagem em si é tão rica de símbolos da classe a qual pertenceu o Senhor, quanto qualquer fotografia tirada hoje de um homem que faz parte da mesma classe social que a do homem fotografado. Haverá sempre para o protagonista do presente o espelho da moda, os acessórios, o tecido, o móvel, o carro, o perfume, o sapato, a gravata e o terno adequados ao seu poder de compra. A moda, dinâmica como todos os fenômenos sociais, vai ser substituída por outra nem sempre mais interessante. Porém o homem será o mesmo em sua infinita vontade de representar o que imagina criar. A moda é a resenha ilustrada desse homem. Os de pouco ganho que querem a todo custo acompanhar as tendências do momento contentar-se-ão com a imitação vulgar que promete felicidade e igualdade para todos no mundo das efemeridades. Em relação aos primeiros, aos que definem a moda, a admiração, a inveja, a cópia por aqueles que são obrigados pelo trabalho renovar ciclicamente os desejos de quem dita a moda. Basta olhar com interesse as fotografias que ilustram livros e revistas de História para perceber, pela postura refinada ou não, características representativas da educação e indústria de consumo de um povo.

Ana Barros
Natal, 27 de julho de 2015. 
 
Foto: Lenira Xavier

 

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