sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

JORGE FERNANDES





Não saberia viver em Natal sem bater pernas pelas ruas e becos da Cidade Alta. Trinta anos de trabalho no mesmo pedaço urbano desprezado pela capital da ostentação, do modismo e dos Shoppings Center. Mas é entre a Rio Branco, Ulisses Caldas, Coronel Cascudo, Felipe Camarão, Princesa Isabel e Beco da Lama que gasto a sola dos meus sapatos à procura de algo de que necessito ou de um simples encontro com algum conhecido para jogar conversa fora. Hoje entrei na Casa do Cordel e encontrei o músico Dudé Viana, prosador maravilhoso que me faz rir sem saber ao certo se o que ele diz é realidade ou ficção. É lazer dos mais divertidos deixar-se levar pelo tempo entrando e saindo das lojas de quinquilharias chinesas: tudo tão barato e precário, mas de uma intensidade estética que poderia ficar horas contemplando os mensageiros do vento e a loja de artigos indianos com seus incensos, batas, bijuterias, amuletos e uma infinidade de vidros que me deixam louca com as formas e o colorido diverso. Me deslumbro e vou em frente, pois o que me interessa de verdade é livro. E nada mais atrativo para uma passante de becos do que os sebos. Não sou de frequentar livrarias, nem de comprar tudo que é lançamento. Aliás, contamos em Natal as livrarias que realmente instigam à nossa entrada. As poucas que há parecem mais templos de autoajuda. É literalmente fútil a entrada em livrarias de Shopping. São encadernações lustrosas, com títulos chamativos e de autores obscuros que da noite para o dia viram celebridade.  Gosto de visitar e adquirir livros em sebos, tanto da cidade quanto pela Internet, pois é aí que ainda encontramos obras que não vemos mais no mercado de autores descartáveis. E foi assim que, há muito tempo, esbarrei numa mesinha cheia de livros velhos na calçada da Vigário Bartolomeu, secavam das goteiras da noite chuvosa. Vi logo em cima das pilhas úmidas e mofadas o título “Livro de Poemas”, de Jorge Fernandes, uma edição da Fundação José Augusto. Comprei por um real... Jamais havia lido algo semelhante. Por que meus professores não falaram desse modernista do Rio Grande do Norte? Quis me zangar, mas já era tarde para o gesto. Melhor ler e conhecer os poemas daquele que tão bem expressou o seu tempo, o seu lugar, os homens, os animais e os costumes da época, décadas de vinte e trinta, cujas transformações ainda se aprofundam e causam, não mais espanto com suas máquinas e caos urbano, mas indiferença para com uma linguagem e uma poética que podemos chamar de contemporânea.



Ana Barros

Natal, 15 de janeiro de 2015.




MODERNO...


Tomou o martelo pesado todo cheio de barro

E tocou a destruir todo o verso bem feito...

Malhou nas ogivas dos decassílabos: - tá! tá! tá!



E os pedaços de cornijas caíam pelo chão relvoso

Numa monotonia de pedaços de cornijas...

Fez cair todas as flores de Liz que corneavam as janelas.



E sobre o montão novo de ruínas de versos sonoros

Começou a viçar toda a vegetação alegre da terra:

Pés de jurubeba, canapuns, pinhões se erguiam...

E flores que ainda não foram vistas: azuis – amarelas – vermelhas –         

                                                                                            pintadas.

As folhas viçosas dos mata-pasto...

Lagartixas... Calangos num sim-sim de cabeça se estiravam

Ao sol gostosamente quente...

Melões-de-são-caetano enfeitavam todo o basculho

Da arquitetura colonial...



Jorge Fernandes

















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