segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O ESSENCIAL ENTRE O CHÃO E O CÉU



O homem está no topo da árvore. Cento e tantos metros. É a árvore mais alta da cidade. O homem se equilibra entre o chão e o céu. Há promessa de felicidade por alguns minutos. Alguém passa em alta velocidade e grita da janela do carro: “otário, sai daí!” O ônibus também passa. O passageiro pergunta para o companheiro do lado: “pra quê isso? Que necessidade tem esse homi de colocar a vida em perigo por uma coisa fútil como Árvore de Natal?” Se o homem-pingente ouvisse tais insultos e reprovações, provavelmente responderia: “bem se ver que vocês não entendem nada de Belo. Se entendessem, largariam todo o entulho de vida miserável que levam e passariam as horas contemplando esta árvore que eu tenho o prazer de dar à luz.” Fútil? Pode ser aos olhos daqueles para quem a vida é uma eterna desgraça, um castigo sem trégua não havendo tempo a perder com inutilidades tipo pisca-pisca e Papai Noel. Aliás, “alienações europeias”. No entanto, pode também ser contemplado como gesto gratuito, uma vez que o essencial é dado. Mas quem é que colhe o que não tem preço num mundo volatizado? O homem-pingente diria mais uma vez: “aquele que, conhecedor do passar de todas as coisas, inclusive dele, mesmo cansado de carregar a maldição de Sísifo, para um instante e observa –  desinteressado.”

A cena do homem no topo da árvore lembra um conto de John Steinbeck, que não recordo mais o nome, cujo protagonista é casado com uma mulher que o domina por ser a mantenedora de tudo, inclusive do humor do marido. Tem o domínio das terras onde ele trabalha arduamente para acumular fortuna. Mas como domínio excessivo pode ser a senha para a desgraça do dono, a esposa, sabedora das fraquezas humanas, concedia uma vez no mês a ida do marido à cidade, onde este permanecia por dois dias entregue à bebida e aos braços de alguma bela dama. Voltava mais disposto e bem-humorado para de novo começar o que não tinha fim. Assim se passaram os anos e os dois, envelhecidos e sem filhos, acumularam fortuna e terras vastas até não caber na vista. Agindo com mão de ferro sobre a vida do marido, a mulher esquecera que um dia a existência finda e tudo o que se adquire pensando ser eterno, vira fumaça, ou melhor, flores. Pois bem, chegou o dia e a morte levou a mulher, só ela, pois as terras e tudo o que nelas havia eram a partir de então de um único herdeiro, o marido. Antes de qualquer decisão ou atitude nessas horas fúnebres, vem a obrigação do velório junto aos amigos, só estes, pois a defunta não tinha parentes. E como não podia ser diferente, não passava um segundo sem que o viúvo caísse em pranto. Chorava copiosamente diante daquela que o trouxera, até aquele momento infeliz, amarrado à sua vida mesquinha. Passava das duas da madrugada quando todos se retiraram ficando apenas um amigo que, além de vizinho, era confidente do viúvo. Este, para espanto do amigo, após fechar a porta à chave e perscrutar todos os cômodos, caiu na mais estrondosa gargalhada. Riu por mais de cinco minutos até se dirigir a um armário e tirar lá de dentro uma garrafa de uísque. Encheu os copos várias vezes e varou o resto da noite embriagado, feliz e liberto.

Passados os primeiros dias do luto e da limpeza das lembranças ruins, não havia lembrança boa, contratou várias máquinas possantes e mandou passá-las sobre todas as plantações que havia, sob o comando da esposa, semeado com os empregados. Os campos enfim ficaram sem nenhum vestígio da raiz que lembrasse a fadiga e o julgo impostos por sua ex- dona. Senhor de tudo, e de si também, ordenou que os empregados dividissem as terras em quatro grandes lotes, um gigantesco quadrado cortado em cruz. Ali plantaram papoulas de quatro cores. Desde então, o viúvo, livre, feliz e ocioso, armou a rede na varanda e passou as horas contemplando os campos de flores.

Ana Barros
Natal, 14 de dezembro de 2014.



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