quinta-feira, 26 de junho de 2014

CRÔNICA DA COZINHA

                                 Para Cleorandy e Nita

Ao deixar a cidadezinha do interior para morar na capital pensei encontrar aí a cozinha com as suas prosas e fazeres. Porém, logo veio a frustração em constatar que na cidade grande ninguém gosta muito de cozinha tampouco de conversar ao pé do fogão. Mas eu, neta de prosador apaixonado pela mesa farta rodeada de pessoas, homem dado às longas conversas com os camponeses e com quem passava à frente de sua casa nas horas mortas, cresci dentro da cozinha. Desta, me acompanham até hoje o cheiro e a quentura. E foi com a memória tomada por temperos, utensílios, móveis rústicos e gente simpática que passei anos de solidão à espera de um telefonema convidando para o almoço em alguma casa entre tantas. Jamais um chamado. Com o tempo perdi a esperança do afago e desfiz a história que mandava esgotar com a morte do meu avô, Chicão. Pois não era eu agora urbana ocupada com coisas sérias e sem mais a ver com a vida cotidiana mansa e simples do interior? Que se adaptasse então à pressa, indiferença e ao tempo sem tempo de quem não perde tempo. Mas as coisas não são tão simples para quem herda um traço de caráter que parece mais tatuagem, que gruda na pele e adere ao sangue. “Não me conformo viver sem cozinha”, repetia desolada vendo o fogão a gás apagado. Foi aí, diante da melancolia nascida e ramificada na alternativa à cozinha ancestral que é fazer refeições sozinha ou em restaurantes impessoais e massificados, que nasceu a maior aventura da minha vida, o sebo Cafundó Café & Arte, com o fazer da tapioca com coco e o café preto. Seria a objetivação da mais alegre querença: receber na minha cozinha. E, enquanto durou , foram momentos adoráveis vividos com os amigos que sentiram na recepção do pequeno empreendimento a força dos versos de Cazuza: “De repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua que vai ficando no caminho”... Com o fim do Cafundó, contentei-me com as visitas que faço aqui e acolá a algum conterrâneo, como a que fiz recentemente aos amigos Nita, Seu Manoel e Cleorandy, e aproveito para me alongar na conversa ao redor da mesa, onde tomo café com pão enquanto a dona da casa escolhe o feijão.

Ana Barros
Natal, 26 de junho de 2014.

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