sábado, 22 de fevereiro de 2014

E DO SAL SE FEZ UMA SALADA

Se alguém perguntar o que mais gosto da vida sem pensar digo que é a necessidade de brincar. Brincadeiras às vezes absurdas a uma existência dos fast food que só vendo para acreditar nas aventuras compartilhadas apenas por amigos que se deixam andar por terras ainda úmidas de gente, cheiro e sabor. Pois bem, Vou falar aqui não das inúmeras experiências vividas na infância do sítio Gurjaú, com Tutu e meus irmãos, mas da última, brincada na casa de Pium da amiga Marilu Albano.

É domingo de manhã e só tem na geladeira um pedaço de carne de sol, um punhado de proteína de soja, um coco seco, uns 100 gramas de goma e um quilo de farinha de mandioca. Tudo bem dou um jeito de fazer alguma coisa para o café e o almoço, eu disse. Quero sal e o rapa-coco, pedi à dona da casa que respondeu: “Só tem sal grosso para churrasco. E raspar o coco, só se for com uma colher.” Tentamos com a colher, com o garfo e nada de sair a carne saborosa do coco já quase todo roído pelos nossos dentes afiados. “O liquidificador, passa pra cá a faca que já já corto esse danado em tiras e o trituro no liquidificador.” “O liquidificador não tem copo”, ouvi a desculpa. Insistente disse que a comida sairia de qualquer jeito, pois não iríamos embarcar numa aventura? “Vou pegar o rapa-coco da vizinha,” se prontificou a dona da casa trazendo além do rapa-coco um molho de alface e outros dois de coentro e cebolinhas, tudo cultivado na horta, ali, fresquinhos e dados à vizinha que só tinha em abundância para o almoço das visitas sal grosso colhido do mar.
                                                                                   Foto: Belki Albano
De posse dos ingredientes, raspei o coco, soquei a farinha de mandioca com o coco até ficar um grude e fui amassando com o pouco de goma até formar uma boa quantidade de massa de beiju. Esquentei a assadeira e fui dando forma às massas com cheiro dos alpendres de antigamente. E, em vez de duas tapioquinhas transparentes que mal alimentaria uma pessoa, fiz cinco lindos e fartos beijus amarelos, pois a farinha de mandioca era colorida. Ah, e o sal? Como foi que eu temperei o beiju? Simples assim: a minha amiga e dona da casa é uma antropóloga que tem uma tábua de carne imensa, presente de um amigo que também gosta de coisas de índio, e uma pedra de alguma gruta perdida por aí mais um pote de sal grosso, tão salinizado que o depósito de argila parece uma peça de arte cravejada de cristais, lindo por demais. Enquanto a proteína da soja hidrata, pilo o sal com a pedra e num instante estão prontos os beijus e uma paçoca maravilhosa feita com a soja e o pedaço de carne de sol que, na falta do liquidificador, piquei miudinha com a faca e misturei à proteína.

Já passa do meio dia quando os amigos Belki, Ziza e Carmela sentam-se à mesa com Marilu e eu para saborearmos a comida farta e saudável feitas com o mínimo de ingredientes e o máximo de amor.

Ana Barros