sábado, 20 de julho de 2013

CAMARIM DE CIRCO



Uma das imagens mais fascinantes de uma garota do interior na década de 1970 era a bailarina de circo. Não sei o motivo pelo qual chamavam as lindas moças de sainha "bunda rica" enfeitada de babadinhos e lantejolas multicoloridas, de "baianas". Fui muitas vezes ao circo mambembe, que aportava nas cercanias do mercado público, apenas para ficar admirando o rebolado das atrizes em cima dum palco de tábuas precário, onde um sanfoneiro acompanhado do pandeirista davam os breques necessários à dança sensual da performer. Olhava para mim, àquela época com uns 10, 12 anos, magrela, sem cintura e sem nenhum daqueles atributos que deixavam as moças lindas para o deleite dos rapazes da cidade e sentia uma inveja mortal.


Guardei até recentemente o desejo de subir num palco, vestida com o luxo dourado de uma "baiana" e cantar com as lágrimas a descerem pelas faces num transe de paixão não consumada. Hoje, no entanto, já não tenho mais tal vontade, mas o desejo de decorar, enfeitar os cômodos da casa com aquilo que não pude, ou não me foi permitido realizar, a exemplo de muitas contemporâneas que, experimentando a repressão sexual de pais autoritários vindos da roça para educar as filhas na cidade, cujo guia pedagógico era a chibata e o espancamento, ganharam os palcos e os seus homens livres, pelo menos da enxada e da obrigação de servir um pai déspota.


Muitas moças fugiram com atores de circo para concretizar o que eu não me permitia devido o medo ser maior que a vontade. Porém, como tudo no monturo psicológico um dia vira pó, pelo menos naqueles que não se deixam apodrecer, seja realizando ou sublimando o desejo de alguma forma, depois de 40 anos encontrei não o palco de um circo ou cabaré para dar vasão ao meu recalque, mas um objeto que trouxe para o meu quarto e o transformei num porta-acessórios digno de qualquer camarim de bailarina de circo ou atriz de cabaré. De um molde vasado, recortado em madeira, encontrado por acaso na lixeira em frente da rua, fiz o suporte para as lantejolas que brilham longe de uma época e tão próximas da "baiana" de circo que ainda sou.

Ana Barros