sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Fantasma de Virgulino



Era tarde de sexta-feira e eu passeava na Casa das Primas quando o homem magro, pele escura, chapéu de cangaceiro, olho vazado protegido por um tampão de couro e paramentado para a Guerra escorregou a mão na minha perna roliça e disse com a boca cheia de cuspe escuro de fumo de rolo: “Maria Bonita”! Levantei os olhos assustada e reconheci aquele que no passado me levou pro mato e fizemos coisas que mortal algum faria. Gostei da mão com todos os cinco dedos enfeitados com anéis cravejados de olhos de jararaca. Gostei e deixei que ele chegasse às rendas da minha calcinha e suavizasse a carícia sentindo a maciez da minha pele sob o algodão cru que mandei madrinha Zefa trazer de Campina Grande. Deixei que ficasse naquele enxerimento até que eu, desfalecida, fingi que não sabia de quem se tratava e pedi que desse provas de quem realmente era. “Ora então minha Maria...”, disse afiando a ponta da faca na palma da mão gretada, cuja lâmina eu bem conhecia quando buscávamos uma moita de capim... “flor de maracujá mais doce. Como não reconhece aquele que carregou os desenhos dos teus vestidos no lombo da égua Chique-Chique, que bordou tuas saias e as tuas calcinhas? Eu, que fiz tuas alpercatas de sola, que desenhou teus vestidos iguais aos das beldades de Paris e te cobriu com as mais belas joias de osso e couro de bode? Como não se lembrar dos fios que mandei vir de Roma, iguais aos fios de algodão das cuecas do Papa Leão, só para te agradar com um mimo de calcinha branca com as iniciais L. M. B. bordadas com o sangue do cabra que se atrevesse olhar pro teu rabo?” Fingi de novo não saber de quem falava e mostrei-lhe cheia de vaidade meus atuais apetrechos. E mais que depressa, só para atiçar o ciúme do cabra que me fez a fêmea mais cobiçada do meio dos jagunços, levantei um pouquinho mais a saia, bem perto da periquita, e o fiz ver a tatuagem – uma linda flor de maracujá – feita por Hefaísto, dizem, devido à pegada selvagem de marcar com um agulhão aquecido no fogo, que é filho do finado Jararaca. “Fiz esta tatu para os olhos de Apolo, poeta arretado com nome de deus, mas que é das bandas de Catolé do Rocha e que prefiro chamar de Sol, pois tu, Lampião, alumiavas apenas as brechas dos caminhos cheios de carrapicho e facheiro em que rasguei todos os fundos das minhas calcinhas nas fugas sem trégua em que me metias. Sol, ao contrário, alumia toda a extensão dos campos à minha frente e, além de ser homem fino da cidade, poeta civilizado, desenha lindos vestidos pra mim. Até a costureira não é mais um cangaceiro grosseiro e assombrado pedalando a máquina enferrujada debaixo do umbuzeiro. Frequento agora o ateliê de D. Mariquinha, mãe de Dulcinea Del Toboso, a noiva do cavaleiro da Triste Figura, homem de elevada cultura e defensor das donzelas em apuro como eu. Ah se ele te avistasse por aqui a me perturbar... Logo te revirava as tripas com a sua lança heroica.” “Tá boomm... Já estou ficando impaciente com essa conversa de mulherzinha. Aliás, subi aqui só com o propósito de meter medo num tal de Toth, que chamam de sábio e poeta e que insiste em me difamar nas feiras jurando que cheguei no céu depois de ter me confessado com Padim Ciço. Mas como prova da minha danação nos infernos, deixo de presente pra ele, pra tu e teu poeta de dedos sem anéis mas de relógio no pulso que conta os minutos e os segundos do tempo para o qual eu caguei e cago, o fio de pentelho que arranquei dos culhões do capeta para pendurar-me e parar o pêndulo do relógio do teu amado e travar os dedos dele quando for desenhar essas garafunhas que não têm nada do traço mimoso dos meus.” “Ainda bem”, Pensei satisfeita e virando a cabeça para o lado, “que Sol não desenha vestidos com a tua baitolagem.” “Lembra dos comentários de que eu era veado só porque costurei teus vestidos no meio da caatinga? Pois bem, lá no inferno comenta-se a mesma coisa em relação às camisolas de fios de taturana que bordo pro papa...

Ana Barros

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