quinta-feira, 21 de junho de 2012

*Malassada ou quiche?



                                         Para Marilu Albano

Abro esta comunidade com um tema pra lá do cafundó: malassada. Quem nasceu na roça experimentou esse prato feito por mães habilidosas que, com uns três ovos, farinha de mandioca, um pouco de sal e banha de porco, faziam enormes fritadas que saciavam a fome de uma penca de filhos. Mas a palavra malassada, que pode lembrar ovos e galinha caipira ciscando no terreiro, cacarejando, dando ao galo e cagando na cozinha – minha avó chamava merda de galinha chinica (?) – também serve para atualizar conceitos e paladar.

Malassada veio à mesa quando Ziza e eu tomávamos café na Poty Livros enquanto esperávamos o começo de Machuca, filme chileno, do programa Café com cinema. Ziza pediu um petisco redondo cheio de queijo derretido com manjericão. Provei um pouco e exclamei imediatamente como se acabasse de comer a minha madeleine: “malassada!” E um fluxo de memórias veio lá do cafundó alegrar a reunião com as amigas e chamar a nossa atenção para o presente, tempo absoluto sobre quem nada mais deve ao passado nem tão pouco ao futuro. Seria o nosso caso!... Deixemos isso de lado.

O melhor mesmo do Café com cinema é a reunião com as amigas antes e depois da sessão que acontece uma vez no mês. Somos cinco (Ziza, Graça, Marilu, Rosa e eu) que, após uma pausa para casar e criar os filhos, menos Graça, e de afundar toda uma velharia lá no cafundó, retornamos às coisas do mundo aqui de fora. E haja conversa, capuccino, torta de limão, de nozes e outras delícias vindas lá de trás requentadas com nomes chiques.  Já pensou no cardápio está escrito malassada? Eu adoraria... mas lá estava grafado o elegante termo francês quiche. Pra falar a verdade, nem de longe se compara à grande e fofa fritada de minha mãe, que partida em generosas fatias dava pra alimentar seis bocas. O quiche, do tamanho de um pires, apenas fazia parte de um conjunto de acontecimentos felizes.

Malassada é só um entre muitos achados que vamos descobrindo a cada edição do Café com cinema. Tanto as conversas mais o lanche antes e depois da sessão, quanto os temas abordados pelos filmes, sempre dramas políticos e psicológicos, provocam uma renascença de sentimentos, experiências e usos que pensávamos fazer parte de um passado já inofensivo. E não é que de repente nos redescobrimos atuais, como se o tempo houvesse nos acompanhado, corrido não à nossa frente, nos derrubando no pântano da solidão, mas ao nosso lado, cúmplice e companheiro!  É um estágio que passa pela adaptação, claro, dos jargões contemporâneos. E um deles é o que mais me agrada e convida à ação: coletivo. Confesso que foi meu filho, de 25 anos, quem me educou no conceito, apesar de na década de 1990 já conhecer os trabalhos do grupo Oxente, que era um coletivo. Mas à época eu estava mais para o duplo sensual homem/ mulher...

Tomando café e comendo broas com nomes requentados; assistindo filmes contextualizados em 1960, 1970, 1980... Reacendendo as atitudes libertárias de moças independentes e autônomas, nos demos conta do quanto tínhamos de presente. E de malassada a quiche foi um salto qualitativo. Deixávamos lá no cafundó todo um ritual de palavras, de valores e gestos e de novo experimentávamos talvez os mesmos elementos, só que com uma carga de lucidez no foco onde o emocionalismo nublara toda uma etapa também feita de presente.

É no reconhecimento e aceitação de que não comemos mais malassada e sim quiche que a lucidez nos faz atuais. Não com a consciência de um jovem contemporâneo, pois aí estaríamos negando toda uma multiplicidade de experiências, porém capazes de compreender a diferença entre o que já não tem força, que esgotou nos usos e o que é potência porque é presente e se impõe. Graças aos coletivos contemporâneos, que podem começar nas redes sociais, exemplo do Café com cinema, retornamos ao cafundó apenas para olhar o passado e aí desprezá-lo uma vez que o presente nos oferece mais uma vez a realidade vestida com outros nomes do mesmo.

Ana Barros

*Crônica publicada no grupo lá do cafundó na minha página do facebook: anamariabarros8@gmail.com


sábado, 16 de junho de 2012

Eu quis

É noite e o
Relógio lembra minuto a minuto que
Em seus ponteiros me forjei
Eu digo Sim
Ao querer que não é querer
Eu quis
É noite e o
Meu olho roxo fixa o vazio reto...
Para trás a nulidade dos dias e das noites
O fluxo do amor anarquizado
Para trás e para frente vaga
Espaço vago

Ana Barros

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Corrupta


Há inquietação (de novo)
E a mentira corrompe o ser sem guarda
e grávido de incerteza e dúvida
a dominar a explorar a roubar  
o que escondeu no abismo onde afogou e
pariu sem olhar os lados e nem atrás
Há inquietação (de novo)
E o gelo cristalizado – lastro azul da paixão –
de novo sangue de novo quer de novo escorre a
muralha sem prumo
Há inquietação (de novo)
E a insensatez manda “aqueça” e mais uma vez
“desça” 

Ana Barros