sábado, 10 de dezembro de 2011

Entre a liberdade e as olheiras

As mulheres que hoje se encontram entre quarenta... cinquenta... se veem diante de um problema crucial: compreender a juventude dos filhos quando elas mesmas não conheceram essa fase da vida pois estavam, à época, ou cuidando dos afazeres domésticos, ou sendo vigiadas pelos pais austeros que deliberavam o que era "bom para uma moça”.

Deixo propositadamente os homens de lado por estes, em sua quase totalidade, não compartilhar a adolescência dos filhos. Primeiro por simplesmente desconhecerem o fato. Segundo, pelas separações acontecerem, não raro nesse momento, deixando a educação dos jovens aos cuidados de uma mãe que se vê, de uma hora para outra, com uma missão além de suas possibilidades. Basta olhar o semblante de uma dessas mulheres depois de se acharem “carregando uma cruz nas costas”. E a “cruz” é o marido ou o filho.

Um dia, uma dessas “vítimas” do casamento espantou-se ao me ouvir dizer que tinha um neto. “Como, você tem um neto? Nossa, pensei que você fosse uma donzela?” Caí no riso e perguntei por que ela achava que eu era “uma donzela”. “Você não tem os olhos de mulher que tem homem.” E como são os olhos de mulher que tem homem? insisti. “Assim como os meus.” E foi aí que percebi as profundas olheiras circundando aqueles olhos infelizes.

Necessariamente nem todas as mães têm olheiras para se sentirem com um peso nas costas. Há aquelas com uma cultura construída nos moldes do feminismo de uma geração completamente perdida com a adolescência dos filhos, cuja infância tiveram como princípios valores defendidos por elas como oportuno e mais próximo de um ideal libertário. Mas eis que as crianças cresceram e essas mesmas mulheres intelectuais e cientes de seu papel racional e menos emocional são surpreendidas com um novo comportamento dentro de casa. O filho mudou, cresceu, não é mais aquele serzinho obediente que tudo compartilha com a mamãe. Está sempre irritado, não aceita mais os conceitos outrora ouvidos com embevecimento, critica os valores dos mais velhos, outrora tão eficazes. Houve mais os amigos, ou seja, o “caos” se instala da noite para o dia sem que ninguém entenda o porquê.

A família lembra que todos se prepararam para receber o lindo bebê. Aprenderam com antecedência os cuidados com a saúde do pequeno, os primeiros socorros, a alimentação etc., etc. Mas o jovem não é mais aquela criança dócil, cheirosa, obediente, macia, tranquila. Tem agora pelos, suor, espinhas, esperma,óvulos, tesão, intransigência, o baseado e... pensamento. O jovem, para espanto dos desavisados, é um ser autônomo. Como lidar com essa evidência sem deixar os olhos enegrecidos de angústia, sem aderir à um seita religiosa qualquer nem achar que carrega uma cruz nas costas?

A mulher madura contemporânea, herdeira legítima de movimentos sociais importantíssimos como feminista, ecologista e, mais recente, homossexual e de liberação da maconha, parece desencantar num mundo no qual as teorias deram lugar ao indivíduo real, efetivo, autônomo, seja ele de que tendência for. Lida agora com um outro e não mais com um projeto dela. Esse tipo de frustração é inerente às mães de jovens da atualidade, pois foram essas mães as primeiras a romper, vale dizer mais intelectual do que psicologicamente, com um passado autoritário e imprimir em suas vidas novas possibilidades existenciais. Só que as suas percepções e atitudes serviram para a reconstrução humana, social e profissional apenas delas. Seus filhos, apesar de expressarem uma ética libertária apreendida dessas mulheres, hoje parecem diluir o que elas assimilaram em três décadas e repassaram a eles como patrimônio valioso. Até então donas da situação, considerando-se suficientemente capazes de administrar a vida pessoal, profissional, da casa e dos filhos, se tivesse um companheiro a situação não seria muito diferente, deparam-se com o que vulgarmente chamamos de “crise da adolescência” quando nada mais é do que uma das muitas facetas do homem. E é justamente nesse instante que a mulher independente e já sem passado, se depara com o desconhecido, algo visceral, humano que a obriga mais uma vez a reinventar-se.

São essas mulheres, que pensavam dominar já uma cultura de gênero, agora as responsáveis não mais somente por uma educação da equidade, mas também pela compreensão e naturalização da adolescência. Infelizmente, são poucos os homens que estão envolvidos racional e emocionalmente nesse processo com as mulheres. Muitos deles, antes dos primeiros filhos completarem dez anos, já estão na terceira ou quarta família. Quantas mulheres de um só homem não se encontram atualmente vivenciando a adolescência dos filhos enquanto o ex-companheiro, quarentão... cinquentão também, se comporta como o próprio filho quando parte para suas primeiras experiências sexuais?

São ainda essas mulheres, cada vez mais numerosas, sozinhas e individualizadas, que dão mostras de que têm competência para compreender não só a si mesmas mas também seus filhos e o mundo. Infelizmente a maioria dos homens, pais e companheiros, servem apenas de figurantes nessa história. A parte principal do enredo, a dura e forçada adesão ao real que pode ser bom, que pode ser mau; que pode deixar de ser mau e passar a ser bom, ou que nem é bom nem é mau quando rasgamos os papéis, ainda é e continua sendo uma imposição cultural às mulheres. Até mesmo viver a adolescência do filho para poder compreender e superar a sua própria, que não conheceu, ou que sentiu e foi obrigada a negar diante de uma moral patriarcal e cristã. Lembremos das bruxas e das histéricas.

Ana Barros