terça-feira, 30 de agosto de 2011

A fatalidade dos grandes

A diversidade e o convívio com as diferenças é ponto afirmativo nas relações interpessoais deste século quando tudo parece vazio de grandeza e transcendência. Insistindo num sentimento de decadência generalizada, os pessimistas, aqui, aqueles que se deixam guiar pelos fatos midiáticos, parecem desconsiderar que já se foi o tempo em que uma única tendência dita regras de comportamento para uma maioria dócil como se a hegemonia de um grupo fosse, inquestionavelmente, verdade absoluta.

Vez por outra algumas vozes apocalípticas vêm à tona mostrar o quanto alguns intelectuais e artistas são inconformados com a transitoriedade das coisas. Lamentam a morte de valores cristalizados por uma cultura crente de eternidade, mas que o tempo, amoral, sem ordem e sem valor, insiste em transformar ou, pior, jogar para trás na vala comum do esquecimento.

Certo dia uma cantora brasileira se queixava na mídia da falta de permanência da música atual. Para ela, a melhor e mais significativa época da música brasileira, inclusive com os músicos de maior grandeza, foi a da sua geração, 1970. E todos sabem de cor os nomes dos escolhidos pela cantora: Caetano Veloso, Chico Buarque, Betânia e Gal Costa.

Esse tipo de desabafo público vem geralmente acompanhado de vaidade e ranço elitista, pois quem foi que disse que atualmente os compositores e intérpretes da MPB são inferiores aos ícones das décadas precedentes? Será que uma cultura é melhor do que a outra? Pode ser diferente, mas nem pior nem melhor do que a anterior uma vez que o presente experimenta a sua própria cultura enquanto o passado nada mais é do que história, conceito a lastrear aqui e ali a imaginação que se dobra a repaginar os cadernos de ontem.

Declarações com esse grau de parcialidade faz perguntar, já que o entrevistador não fez a nossa cantora, se o tempo parou em 1970 ou se o que a gente ouve e tem na conta de música, de lá para cá, não é mais – música?

E foi consumida por essa indagação que passeava domingo bem cedo pela calçada do templo no momento em que uma menina entoava o cântico, ao mesmo tempo divino e dramático. Senti algo maravilhoso e me plantei diante da porta da igreja até o último lamento da menina. Naquele instante ouvi a música mais bela do mundo pela transfiguração momentânea do êxtase, talvez só em mim... ateia.

São muitos os que andam insatisfeitos e melancólicos com os rumos tomados pela música neste século. E nada mais patético do que os shows patrocinados pelo poder público, pagos com cachês milionários a músicos do sul que chegam às capitais do Nordeste depois de velhos, da decadência e da rabugisse e não suportando ser substituídos por novos profissionais. Chegam revoltados e cheios de ódio pelos jovens músicos da atualidade, principalmente das duplas sertanejas. No entanto, uma realidade desses dias, que mais encanta e chama a atenção, é o desprezo do povo por palavras surradas.

Num mundo paradoxalmente global e de indivíduos autônomos – a palavra mais enfática deste século: autonomia – há gosto para cada gosto. Não é mais uma só tendência que dita o momento. E não é pelo fato disso não mais existir, e do efêmero ser uma das características da arte contemporânea, que o povo tenha se desfeito do que há de bom na música brasileira. Existe até maior quantidade, diversidade e mobilidade criativa. E a Internet, sem dúvida, é a ferramenta atual do transporte de uma cultura do culto ao mito entronizado para outra menos, ou até mais, “politizada”, entretanto, muito mais intuitiva, corporal e individualizada, não no sentido moderno e sim no sentido de ser com autonomia.

Ana Barros





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